O corpo humano tem diversas características, como a cor ou a textura, que nos ajudam a perceber quando algo não está bem. O cheiro pode ser igualmente indicador de que necessita de uma visita ao médico. Mas há também os odores banais. Saiba o que deve (ou não) preocupar e como higienizar corretamente as partes corporais mais sensíveis.
Certamente já terá ouvido aqui e acolá que um hálito frutado é sinónimo de que se tem diabetes. Ou que umas fezes mal cheirosas podem indicar intolerância a algum alimento. E até que é mais do que certa a ligação direta entre pés fedorentos e problemas, como pé de atleta. Não é bem assim. Ainda que o cheiro possa ser indicador de que algo está errado com o corpo e a saúde, na maioria das vezes, os odores são algo natural do ser humano. Do suor ao corrimento vaginal, o cheiro está presente diversas vezes na nossa vida sem que isso deva ser sinal de preocupação (ainda que haja a componente da vergonha social, mas já lá iremos).
Por isso, há que reter: de forma geral, os odores são apenas preocupantes quando se dá uma alteração brusca do que é “normal” em determinada pessoa. Ou seja, se geralmente alguém já tem um suor com cheiro intenso, isso não quererá indicar qualquer problema. Se, por outro lado, não é costume ter qualquer odor corporal e, de repente, desenvolve um mau cheiro forte, aí deverá consultar um médico. Regressaremos adiante a esta regra geral, primeiro, passemos às partes do corpo.
Comecemos por um dos odores mais falados. Já o deve até ter “visto” (especialmente de forma cómica) em desenhos animados, filmes ou canções. Falamos de mau hálito. Mais propriamente, halitose. O especialista em medicina dentária Olívio Dias começa por sublinhar que, “na maior parte dos casos, este fator, que pode ser visto como um problema pela pessoa, soluciona-se com hábitos regulares de uma higiene oral cuidada”.
Cheiro e outros sintomas
Escovar no mínimo duas vezes por dia e usar fio dentário diariamente são regra, isto porque “os restos dos alimentos retidos na cavidade oral (e que não são retirados através da higiene correta) entram em decomposição e provocam halitose”. Também “a placa bacteriana presa aos dentes, se não for removida pela higiene oral provoca gengivite e com a evolução do tempo pode transformar-se numa situação mais avançada, nomeadamente em periodontite, onde as bactérias proliferam e degradam dentes e estruturas de suporte, provocando hemorragia gengival e halitose”.
Esta é a nossa primeira paragem: o odor corporal, regra geral, deve ser aliado a outros sintomas para que seja considerado um sinal preocupante. O caso das gengivas, quando inchadas, vermelhas, sangrentas ou doridas, tudo isto juntamente com mau cheiro, são razão para consultar um especialista de imediato. Para terminar as preocupações com higiene, Olívio Dias acrescenta o cuidado extra a ter no caso de haver próteses e aparelhos ortodônticos.
Mas a verdade é que, ainda que a falta de higienização correta seja um dos fatores que leva ao mau hálito, há outros. Aí, apenas a higiene correta pode não funcionar, sendo necessário alterar hábitos alimentares ou até visitar um dentista. Por exemplo, costuma comer muito alho ou cenoura? A resposta pode estar aí. “Ingerir certos alimentos, tais como cenoura, alho e outros vegetais e especiarias podem também provocar o problema, já que após a ingestão, estes entram na circulação sanguínea e são transportados até aos pulmões, onde se libertam e podem provocar o mau odor, que é o caso da substância contida no alho.” O consumo de tabaco é também causa frequente para o mau cheiro.
Boca aberta. Boca seca
A altura do dia mais comum para nos queixarmos de mau hálito é ao acordar. O dentista Olívio Dias, com clínica em nome próprio na área de Lisboa, explica que é normal. Chama-se fenómeno de xerostomia. De forma simplificada: síndrome da boca seca. A diminuição de produção de saliva (que acontece, por norma, enquanto dormimos) leva a que o mau cheiro se intensifique. E normalmente piora se dormir de boca aberta.
“Alguns medicamentos são também responsáveis pela diminuição de produção de saliva, e existem algumas patologias crónicas das glândulas salivares ou algumas outras doenças sistémicas que também o provocam”, afirma. É aqui que começamos a entrar na área da preocupação: se sentir alguma mudança brusca no seu hálito, essa deve ser a preocupação, uma vez que pode ser indicador, além do já referido, de “infeções na boca” ou “outras patologias orais, do nariz e garganta ou amígdalas”. No caso das crianças, há que ter cuidados redobrados, alerta o especialista em medicina dentária, uma vez que a halitose pode significar um “corpo estranho (como uma pequena peça de um brinquedo) ou alimento retido nas narinas ou amígdalas”.
A especialista em medicina interna Ana Isabel Pedroso acrescenta ainda os problemas do sistema digestivo, em particular inflamações do estômago, que podem provocar mau cheiro na boca. Também no caso de haver inflamação respiratória recorrente, com constante presença de muco e expetoração na boca, possam desenvolve-se odores intensos.
A vergonha dos pés
Passamos agora para outro conhecido (e também caracterizado de forma cómica por histórias e narrativas): o mau cheiro dos pés – popularmente conhecido por “chulé”. Cristina Macedo Carvalho, podologista nos hospitais CUF, começa por indicar como causas mais frequentes o calçado e meias de má qualidade. “Especialmente pela presença excessiva de fibra e a falta de respiração, estes dois elementos, quando de fraca qualidade, estão associados ao excesso de transpiração, a que se dá o nome de hiperhidrose, que pode provocar odores desagradáveis.”
A especialista em podologia explica que, quando não está associada ao odor, a hiperhidrose pode indicar problemas de ansiedade ou stress, alterações hormonais ou neuropatias, levando a que se deva consultar um especialista. “Quando há hiperhidrose com odor, a primeira linha é perceber se há uma higiene correta e qual a qualidade dos sapatos ou das meias. Se persistir, poderá estar presente uma infeção fúngica, como o conhecido pé de atleta, que é caracterizado pela pele húmida, esbranquiçada, fissurada e com odor. Ou uma infeção bacteriana, pois as bactérias estão presentes na flora do pé e alimentam-se da queratina da pele que, quando a transpiração é excessiva, causa odor.”
Como já referido no caso da boca, os odores, quando indicadores de algum problema de saúde, estão, regra geral, acompanhados de outros sintomas que podem ser percetíveis através da visão ou do tato.
Um odor íntimo
Passemos agora às partes intimas. No caso do pénis, o mau cheiro não é tão comum ou característico. Ainda assim, Ana Meirinha, urologista-andrologista do Hospital de Cascais, sublinha a importância da higiene para manter um pénis inodoro. “Lavar pelo menos uma vez por dia e não mais do que duas vezes é a regra.” E aqui chegamos a mais uma paragem, uma vez que a lavagem em excesso pode, além do pénis, mas em qualquer parte do corpo, ser responsável pelo efeito contrário ao desejado e causar mau odor.
É também importante reter que o pénis produz uma secreção esbranquiçada gordurosa que se chama esmegma, que, quando a higiene demorar a ser feita, leva à intensificação do cheiro, especialmente no caso de um dia quente ou no final de relações sexuais. Ana Meirinha ressalva: “Basta lavar que todas estas questões são resolvidas”.
Caso o mau cheiro se mantenha, uma vez que o pénis e o escroto não costumam cheirar mal, mesmo no caso de candidíase, pode ser sinónimo de uma situação grave, especialmente gangrena de fournier (a urologista alerta que as imagens deste problema são extremamente gráficas e sensíveis), que tem uma alta taxa de mortalidade, e que, mais uma vez, é percetível, não só através do cheiro, mas aliado a outros sintomas percebidos através da visão.
A especialista em urologia refere ainda, não no órgão reprodutor em particular, mas nas virilhas, a possibilidade de problemas como a hidradenite supurativa, esta já do âmbito da dermatologia. Trata-se de “um processo inflamatório, similar à acne, que ocorre nas axilas, virilhas e em torno dos mamilos, que deixa cicatrizes” e que é visível através da identificação de manchas vermelhas.
A pressão social
E no caso das mulheres? “A secreção vaginal provoca um odor que deve ser considerado tão normal quanto o suor, e que pode sofrer alterações com o regime alimentar ou a não ingestão de líquidos suficientes, por exemplo”, começa por explicar Fernando Cirurgião, ginecologista-obstetra e diretor de serviço no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Já no âmbito patológico, o mau cheiro pode acontecer quando existe uma desregulação da flora vaginal. Ou seja, “o cheiro não tem de significar nada de patologicamente grave ou não tem de ser sinónimo de uma infeção sexualmente transmissível, já que pode simplesmente ser causado por bactérias, que já fazem parte da flora vaginal de forma natural, mas que podem, em determinadas circunstancias, desenvolver-se mais do que seria o ideal”. A preocupação e a visita a um especialista, mais uma vez, deve chegar quando o odor é acumulado com outros sintomas, como prurido, corrimento vaginal esbranquiçado, ardor.
Tal como o caso do suor mal cheiroso, do mau hálito ou do cheiro intenso nos pés, os odores vindos da vagina são, muitas vezes, sinónimo de desconforto social. Fernando Cirurgião afirma que, mais do que o mau cheiro ser sinónimo de algum problema médico, o maior problema é o receio social dos outros sentirem esse cheiro. “Associa muitas vezes o odor intenso vaginal a uma má higiene. Ainda há esse preconceito. Mas, na maioria das vezes, este cheiro é alheio a qualquer questão higiénica. É apenas algo natural.”
Limpar em excesso
Mais uma vez, o excesso de higiene, por vezes sentido como necessidade pela pressão social, pode até ser um problema. “Uma higiene intima exagerada pode levar a uma perda da proteção da flora vaginal, a uma redução da flora microbiana protetora, e, por consequência, a um aumento das bactérias que não interessam e que causam o cheiro mais intenso.”
ABactérias aqui. Bactérias ali. Mas, afinal, porque é que as bactérias causam mau cheiro? Fernando Cirurgião explica que elas têm no seu funcionamento a produção e libertação de gás, quase como os nossos gases, mas em pequena escala. Os odores estão intensificados na zona das virilhas e axilas porque é nestas que se dá a acumulação de glândulas onde se encontram as bactérias.
Em resumo, Ana Isabel Pedroso, especialista em Medicina Interna na Clínica Lusíadas de Almada, explica que “qualquer cheiro numa zona específica do corpo, quando associado a outros sintomas visíveis ou palpáveis, é preocupante”, em princípio porque significará infeção. Um exemplo menos comum de cheiro no dia a dia, que pode levar a odor em caso de infeção, são as orelhas ou ouvidos.
Infeção é a regra
“Na prática da medicina há poucos cheiros que, por si só, nos preocupem, uma vez que os cheiros fétidos, que são os preocupantes para nós e que significam presença de bactérias, regra geral estão associados a outros sintomas, e são sinónimo de uma infeção”, indica a médica Ana Isabel Pedroso. Uma nota em particular vai para o caso das pessoas que fazem uma dieta cetogénica (que pressupõe a eliminação de ingestão de açúcares) e que leva ao processo de cetose, em que o corpo produz energia a partir da gordura, quando não há quantidade suficiente de glicose disponível. Esta particularidade, indica a especialista em Medicina Interna, pode levar à libertação pelo corpo de um odor específico.
Deixando cair por terra alguns mitos de certos odores associados diretamente a determinadas doenças, a especialista indica que não é possível fazer um diagnóstico através apenas do tipo de cheiro libertado pelo corpo. A regra, tal como já referido por diversas vezes ao longo do tempo, é a alteração. Ana Isabel Pedroso indica que, “se começa a ser sentido um odor intenso que nunca esteve presente no corpo, quer seja no suor, na urina, nas fezes, nas partes íntimas ou na boca, aí será sinal de preocupação e é aconselhado que visite um médico”.