Com os mais novos preparados, a festa é (quase) à prova de birras

Quando há crianças na família, deve esperar-se até à meia-noite para abrir os presentes? E como se controla o consumo de doces e chocolates? É possível manter rotinas durante a quadra festiva? As condicionantes são muitas, mas há dicas a seguir e detalhes a ter em conta.

O Natal e o festejo do Ano Novo são momentos de grande expectativa. Quer seja com base nas nossas memórias ou na comparação com outros ou com filmes ou publicidades, em geral, esperamos que os dias festivos sejam isso mesmo: festivos. E que, por isso, signifiquem harmonia, paz e felicidade. Quando se junta uma criança (ou várias) à equação, a expectativa parece ser ainda maior, por projetarmos esta ideia de criar um momento especial não apenas para nós, mas também para os mais pequenos. Queremos que eles estejam felizes, bem-dispostos, que deem valor ao momento e que tudo isso fique gravado nas suas memórias. Mas nem sempre é assim. Ou pelo menos nem sempre é assim tão idílico.

Tal como se tem referido a gestão de expectativas para os adultos como uma das principais ferramentas para evitar desilusões e tristezas nesta quadra festiva, a mesma técnica deve ser aplicada quando falamos de uma festa que incluiu os mais novos. Essa é a primeira dica dada por Marta Calado, psicóloga da Clínica da Mente. “Devemos ter presente que, havendo crianças, por muito esforço que façamos, haverá sempre emoções e atitudes que não controlamos, por isso, pode haver birras ou momentos de tensão.” Ainda assim, em sentido contrário, não é necessário esperar o pior. Há dicas para diminuir a possibilidade dessas birras e para saber lidar com elas da melhor forma, caso aconteçam.

A pediatra Mariana Capela começa por referir a importância da rotina. Quanto menos mudanças houver no que é habitual para a criança, menos stress se causa e menos chances há de esta se sentir emocionalmente desregulada – ou seja, de acontecer as tais birras. “O facto de ser só um dia diferente em toda a rotina semanal, não tem um impacto muito negativo, mas qualquer mudança pode causar estranheza.” Olhar à idade das crianças e à logística da festa (quer seja Natal ou Ano Novo) é importante para adaptar da melhor forma possível as necessidades dos mais novos.

Rotina intacta

Se se tratam de “crianças até aos dois ou três anos de idade, deve fazer-se o possível por não alterar em quase nada as rotinas”. Nestas idades, o controlo parental sobre o que a criança faz (ou não) é maior e, por isso, não se deve modificar os horários para comer ou dormir, o tipo de comida que se dá, a permissão para estar em frente a ecrãs ou a quantidade de sestas.

Estas regras – que nada mais são do que a manutenção de uma rotina que durante o restante ano já deve ser saudável -, terão um efeito apaziguador na criança, que se sentirá menos estimulada e stressada e, por isso, “vai estar, o que se costuma chamar, menos ‘birrenta’, beneficiando toda a dinâmica familiar”. Desta forma, os estímulos positivos, como o momento de abrir prendas, por exemplo, terão um maior impacto positivo na criança.

No entanto, há que ter em conta que “as rotinas podem ser alteradas se a festa não acontecer na própria casa e houver necessidade de deslocações”, diz Mariana Capela. Nesses casos, o ideal é perceber junto do anfitrião como se poderá manter estas rotinas, avisando antecipadamente das necessidades para a criança comer, dormir e se entreter dentro do que é expectável. Marta Calado, psicóloga, aconselha na mesma direção: “Não devemos ter receio de conversar com os outros adultos sobre a forma como praticamos a nossa parentalidade”. Quer seja falando com os convidados que estarão presentes na nossa casa ou com os anfitriões do local onde vamos, deve alertar-se para as rotinas que são inegociáveis, para os limites que impomos (como o consumo de chocolate, por exemplo) e lembrar da possibilidade de birras. “O mais importante ao lidar com crianças nesta quadra festiva é lembrarmo-nos que são crianças e, se para adultos, por vezes, já é difícil regular emoções, ainda mais o é para quem ainda não desenvolveu essa capacidade, como os mais pequenos”, sublinha Marta Calado. Mas sobre este lado do comportamento falaremos adiante.

Antes, lembra Mariana Capela, pediatra do Hospital Lusíadas do Porto, a manutenção da rotina pode ser mais complicada a partir da idade escolar, “em que a expectativa e entusiasmo sobre o Natal e os presentes, por exemplo, são maiores”. Nestes casos, deve entrar em ação a negociação, conversando com a criança sobre as suas necessidades, sobre o que ela deseja e encontrando uma solução de meio-termo entre manter rotinas e ter um dia “diferente”. Já Marta Calado aproveita para uma dica mais prática. “Em crianças já em idade escolar, se o desejo delas é conseguirem estar acordadas mais tempo, na semana anterior, já em férias escolares, é possível começar a incorporar mais sestas no dia a dia, acordar mais tarde e estender o horário de dormir.” Assim, será quase como um “treino” para o dia de Natal. “No entanto, é importante lembrar que caso seja notado, no dia da festa, que a criança está cansada, ou que até ela mesma o expresse, se permita que ela vá dormir cedo, mesmo que isso signifique não estar presente no momento de abrir as prendas”, remata Marta Calado.

Esperar até à meia-noite?

Uma dúvida comum é se se deve optar pela troca de prendas à meia-noite, logo após o jantar ou deixar para o dia seguinte. “Pode aproveitar-se a ideia do Pai Natal ou do menino Jesus deixarem as prendas durante a noite para adiar o momento da abertura para a manhã do 25, não obrigando os mais novos a ficar acordados até tarde”, refere a psicóloga. Tudo dependerá do contexto em que a festa acontece. Para a pediatra Mariana Capela, “para crianças em idade pré-escolar, trocar presentes depois da meia-noite não faz sentido”. “Depois do jantar já estarão cansados e obrigar a que, nestas idades, estejam despertos e de bom humor nestas horas, dificilmente corre bem.” Independentemente da idade, permitir uma sesta depois de jantar, caso a criança transmita sonolência e cansaço, pode ser uma dica prática para que, mais tarde, esta esteja desperta.

A mesma ideia pode ser aplicada no caso da passagem de ano, no entanto, no caso de crianças em idade pré-escolar, uma ideia é festejar a “meia-noite” antes desta chegar, de forma a que os mais novos tenham a sua celebração, criando memórias felizes com os pais, sem abdicar da sua hora de dormir.

Já sobre a hora de jantar, Marta Calado realça a necessidade de haver flexibilidade. “Como adultos, vemos o momento da refeição como um momento de socialização, mas para as crianças não funciona assim.” Por isso, forçar a que os mais novos estejam quietos, sentados à mesa, quando comem em menos quantidade e mais rápido do que os adultos, é fomentar a que estes fiquem aborrecidos e, por conseguinte, “birrentos”. A psicóloga lembra a importância de levar consigo atividades que distraiam a criança, como livros para colorir, brinquedos de que eles gostem, ou até mesmo preparar atividades em grupo, para quando existe mais do que um menor. “Dependerá da dinâmica da família, mas ter uma mesa ‘dos mais pequenos’, à parte, em que toda as crianças comem e brincam reunidas, pode ser uma ideia para que estas se mantenham entretidas.”

Ainda assim, Marta Calado reforça que a criança deve ser sempre incluída na decisão: “Mesmo que haja um lugar para os mais novos comerem, se o meu filho diz que se sente mais seguro ao meu lado, devo ouvi-lo e não forçar a interação com os outros”. E, caso haja birras, é fundamental não esquecer que estas acontecem por “desregulação emocional”, destaca a especialista. “Como adultos, devemos ser quem tem uma resposta calma, assertiva, mas que acolhe, mostrando à criança que a ouvimos.” Este trabalho, prossegue a profissional, deve ser feito durante todo o ano e uma relação saudável entre pais e filhos é meio caminho andado para que momentos como o Natal ou o Ano Novo corram pelo melhor – (quase) à prova de birras.