Celebrar sem culpas (sim, há segredos para não engordar)

Maria Gama, nutricionista e autora do blogue “Põe-te na linha”, lembra a importância da sopa, dos legumes e da fruta nesta época (Foto: DR)

Está aberta a época dos almoços e jantares, ainda há a ceia propriamente dita, e o estômago teima em esticar. Mas, atenção, nas receitas tradicionais não se mexe. Moderação e exercício são as palavras certas nesta altura.

Marco Horácio, humorista, ator e apresentador, tem a árvore de Natal montada e decorada há uma semana. O Natal tem mais sabor com a filha Maria Leonor, de 14 meses, e Sara, a mulher. Esta altura, já se sabe, é de excessos, mais tempo à mesa, tira daqui, tira de acolá. “Sou mais de salgados do que de doces, bacalhau de qualquer maneira. Mas quem resiste a uma boa azevia, a uma boa rabanada, a uma boa sobremesa de Natal?”, pergunta. Ele não é. A consoada será em sua casa com a família, tentará ter apenas o necessário, mas já sabe como é. “Um traz uma coisa, outro traz outra, acaba sempre por sobrar comida até à passagem de ano.” Resistir não é fácil. “Sei que vou abusar.” Quem nunca? “É tradição, é cultural”, comenta.

É um mês pesado para o estômago e as conversas de engordar são constantes. Maria Gama é nutricionista e autora do blogue “Põe-te na Linha”. Os almoços e jantares de Natal preocupam, de facto. Os jantares, sobretudo. “Uma boa forma de conseguir controlar o que comemos nestes jantares é, antes de mais, ter um dia alimentar equilibrado, ou seja, não passar o dia todo sem comer, à espera do jantar, com aquele pensamento típico ‘não vou comer muito para aproveitar logo’”, informa. Os dias até ao Natal são um problema. Mais doces e chocolates para comemorar a época, lanches mais demorados, refeições atrás de refeições com amigos, amigas, colegas de ofício. “Levar sempre um lanche que gosta para o trabalho, de forma a evitar as bolachas, os bolos ou o arroz-doce, ou qualquer opção que muitas vezes existe no local de trabalho. Evitar ter sobremesas e doces em casa, o que reduz automaticamente a probabilidade de os comermos todos os dias”, recomenda.

Se não há ponderação, a alimentação descamba. Só porque é Natal e há um jantar é possível manter hábitos diários. “Nos almoços ou jantares de Natal, dentro do que estiver descrito no menu, deixe de lado os fritos. Tenha em atenção o tipo de prato e opte por assados, estufados, grelhados ou cozidos. Tente evitar as lasanhas, o bacalhau com natas e as batatas fritas”, aconselha Maria Gama. Se o menu já estiver escolhido, uma salada ou legumes cozidos ou estufados para acompanhar o prato. “Não temos de evitar obrigatoriamente nenhum alimento nesta época. Precisamos, sim, de fazer escolhas e de moderar o nosso consumo, como em tudo na vida”, garante a nutricionista. Uma coisa é aproveitar o Natal, outra coisa é ter bolo-rei em casa durante todo o mês.

O humorista Marco Horácio sabe que vai abusar e pensa ir mais vezes ao ginásio
(Foto: DR)

Cátia Goarmon, chef e apresentadora do programa de culinária “Os segredos da tia Cátia” no canal 24Kitchen, costuma dizer que o problema não é a véspera e o dia de Natal, o problema são os restantes 363 dias do ano. Em todo o caso, esta época é especial por vários motivos e a mesa é um deles. “Durante todo o período das festas, convém, de alguma forma, ter controlo. Usar e abusar de sopas, fazer refeições mais ligeiras, abusar de saladas, cortar nos hidratos”, refere. A sopa é uma boa forma de comer legumes e as leguminosas deveriam fazer parte da alimentação duas ou três vezes por semana. Moderação, portanto. Depois, lá haverá um dia de excesso, de mais estragos.

Controlar as porções é uma boa estratégia, diz Magda Roma, nutricionista. Uma espécie de truque para saborear vários pratos em pequenas quantidades, evitando repetir. O que é saudável não está, de todo, banido desta quadra. “Numa boa mesa de Natal, também há sempre legumes, salada, proteína magra e naturalmente algumas entradas, sobremesas e os tradicionais produtos natalícios, podendo estes últimos ser calóricos. Nesse sentido, tente saltar as entradas, caso as opções sejam calóricas, e passe para o prato principal, onde consegue fazer uma melhor escolha”, sugere Magda Roma. Na sobremesa igual, optar por uma iguaria natalícia, uma fatia de bolo-rei, um sonho, uma filhó, por exemplo. Moderação nos bolos e nas bebidas alcoólicas. Água entre vinhos para evitar a tal desnutrição associada à ressaca. E outra coisa. “Comer, entre as refeições, frutas que auxiliam na digestão, como o ananás ou a papaia, e ingerir infusão de hortelã e menta, por exemplo.”

Mas é Natal. Ceia e dia 25 sem restrições, segundo Cátia Goarmon. “Comer o que apetece.” Com juízo, claro. Menos quantidades, naturalmente. A chef faz rabanadas mais pequenas, corta a fatia do pão em quatro, por exemplo. “As rabanadas podem ser feitas no forno se houver constrangimentos alimentares, mas não fica a mesma coisa.” O seu conselho é simples: “Comer menos quantidade, comer uma coisa com o sabor todo”. Até porque há doces que só se comem naquele dia. Aproveitar esses dois dias como manda a tradição com receitas feitas no seu modo típico de ser, com o devido respeito. “Tem a ver com as memórias”, realça Cátia Goarmon. E nas memórias gustativas não se mexe.

Carlos Fernandes é chef pasteleiro, o rosto do programa “Pastelaria para todos” no Canal Casa e Cozinha, distinguido como chef de pastelaria nos Prémios Mesa Marcada em 2021. Neste momento, é um dos responsáveis pela pastelaria do Hotel Four Seasons Madrid, na capital espanhola. Também não é adepto de se mexer nas receitas tradicionais, são como são e, por isso, não faz sentido inventar ou adulterar a essência e o que é original – quando muito colocar um pouco menos de açúcar. É o que é. As rabanadas até podem ir ao forno em vez de serem fritas, embebidas em chá em vez de leite e ovos. A questão é outra. “As quantidades que se comem.” É por aqui. “Quem gosta de comer uma boa lampreia de ovos que coma, mas uma quantidade mais pequena.”

O chef pasteleiro Carlos Fernandes defende que o equilíbrio é a melhor opção
(Foto: Casa e Cozinha)

Os pasteleiros não saem da cozinha nesta altura para que nada falte e não vem mal ao mundo quando, uma vez por outra, há mais olhos do que barriga. “Uma vez ao ano, no Natal, ou duas se se considerar a Páscoa, ou três com os churrascos de verão.” É a opinião do chef pasteleiro.

Seis mil passos, em jejum, antes e depois das refeições

Petisca ali, petisca acolá. “Evite petiscar ao longo do serão e do dia de Natal”, avisa a nutricionista Magda Roma. O que é mesmo de evitar numa quadra que puxa à ingestão de alimentos que não são tão habituais ao longo do ano? Iguarias ricas em gorduras saturadas, para começar. Aqueles queijos, aqueles enchidos, aqueles molhos. “No prato, se comer carne, deixe o molho na travessa e acompanhe com uma boa quantidade de legumes”, indica Magda Roma. Se estiver ao leme da cozinha, entradas controladas, dez pessoas, dez entradas, um folhado de queijo de cabra com mel cai bem e é uma boa opção. “Reduza o consumo de refrigerantes, sumos açucarados e bebidas alcoólicas, que podem adicionar calorias vazias.” Recomenda-se um chá frio ou uma água aromatizada. Se há pão, há pão, nada a fazer. “Opte por servir pão branco, pão integral ou pão torrado. Caso faça as rabanadas e os sonhos, faça com farinha/pão integral. Uma rabanada é boa de qualquer forma e, acredite, sonhos com farinha integral, além de serem mais saudáveis, saciam-nos mais e o sabor é praticamente o mesmo”, assegura Magda Roma.

Não há como contornar os doces de Natal, feitos em casa permitem a utilização de ingredientes mais saudáveis, sobretudo farinhas e açúcares. A consoada é longa e difícil de resistir. “Temos de entender que, se consumirmos alimentos calóricos e temos um comportamento sedentário, iremos ter mais calorias ingeridas do que as gastas que podem provocar um aumento do número na balança”, nota a nutricionista Magda Roma.

As luzes já brilham em Madrid e o Natal, no hotel, começou a ser preparado em julho, já há doces da época na ementa. Carlos Fernandes não pára. “No Natal, estou sempre a trabalhar, a energia gasta-se, os doces gastam-se com o trabalho para fazer os outros felizes”, comenta. Mesmo assim, confessa, é guloso e perde-se um pouco no que há pela mesa. O truque é saber o que fazer, estabelecer a fronteira que salta para o exagero. “O equilíbrio, no geral, é a melhor opção.”

A chef Cátia Goarmon lembra o poder das memórias no palato
(Foto: Cátia Goarmon/Facebook)

Marco Horácio tem um mês bastante preenchido a nível profissional, está a terminar de escrever um livro sobre a paternidade perto dos 50, tem um projeto televisivo a estrear no próximo ano. E vai ao ginásio sempre que pode, habitualmente três vezes por semana, mais quando a agenda permite. “Mais do que uma questão física, é por meditação, a minha cabeça está sempre a pensar em coisas, em projetos.” A atividade física ajuda-o a gerir a parte emocional. Nesta altura, costuma intensificar o treino. “Vai chegar o Natal, vou abusar, ponho mais carga”, adianta.

É tudo uma questão de gastar energia. António Rocha, licenciado em Ciências do Desporto e Educação Física, personal trainer (PT) no Health4LifeCoach, conceito de estilo de vida coerente e praticável, fala disso mesmo numa altura em que o corpo resiste ao movimento. “A rotina de treino não deve mudar”, salienta. Duas a três vezes por semana, pelo menos. Exercício físico é exercício físico e aqui também não se deve mexer. É essencial, faz bem à saúde.

Há, no entanto, alguns aspetos a ter em conta nesta quadra, ou seja, mais treinos, mas mais curtos. Se há um aporte energético, tem de haver uma saída de energia maior, a lógica é essa. E encurtar o tempo tem as suas razões. “Para ser possível, para não ocupar mais tempo, e para não inflamar demasiado o corpo”, considera António Rocha. Outra coisa: diversificar o treino, nada de passadeira, passadeira, passadeira, flexões e só flexões, abdominais e apenas abdominais. Não esquecer os exercícios de força. “O que interessa, na realidade, é aumentar o dispêndio energético de uma forma não muito agressiva por causa da inflamação”, assinala.

Magda Roma tem uma técnica por antecipação. “Uma boa caminhada antes e depois da refeição ajudará a algum gasto energético do excesso que eventualmente possa vir a cometer.” Exercício físico para desfrutar sem culpa. Caminhar não resolve tudo, mas é melhor do que não sair do sofá. António Rocha sugere uma maneira: seis mil passos por dia, seja onde for, na passadeira em casa, à volta do prédio. “Dois mil em jejum, dois mil após a primeira refeição, dois mil antes da refeição final (o ideal seria após o jantar”, aponta o PT.

António Rocha, personal trainer, garante que manter a rotina de treino é essencial
(Foto: DR)

Voltemos à mesa. Para a ceia de Natal, Maria Gama apresenta algumas sugestões. Nas entradas, queijo fresco, requeijão guacamole, abóbora recheada ou espetadas de queijo mozarela com tomate cherry. Prato principal, atenção. “É fundamental que a sopa de legumes seja mantida nesta altura”, sublinha. Saltar a sopa com a ideia de dar tudo no que vem a seguir não é boa ideia. Hortícolas a acompanhar o bacalhau, o peru ou o polvo. Para a sobremesa, outras táticas. “Uma estratégia interessante passa por começar com uma peça de fruta antes de passar para as sobremesas, uma vez que pode ajudar a reduzir a quantidade consumida.” Se a refeição satisfaz, há menos espaço para os doces.

Há outras coisas além de encher o estômago. “O Natal é momento de convívio com os entes queridos, nesse sentido, ocupe o serão e o dia de Natal com atividades em família. Jogos de tabuleiro, jogos interativos, mas que todos possam colaborar. Estarão entretidos e não haverá muito espaço para petiscar”, observa Magda Roma. É tudo uma questão de moderação.