“Caixinhas de memória” para pais de colo vazio

Para Cláudia, o termo “perda gestacional” está errado. A sua bebé, Charlie, não está perdida. Morreu, tal como o “feijãozinho” de Renata. E assim surgiu o projeto de “Amor para além da Lua” destas mães.

Cláudia Caetano sempre disse “o bebé morreu”. Renata pensava “não é uma palavra muito forte”? Hoje, diz ser “importante normalizar”. Às 22 semanas da sua primeira gravidez, realizou uma interrupção médica, em fevereiro de 2020. Estava previsto que o “feijãozinho” chegasse em junho. Foi aí que viu a publicação de Cláudia, antiga amiga de escola. Charlie, também a primeira filha, morreu às 25 semanas na barriga da mãe. No escuro do luto, estas mães de colo vazio uniram-se. Nasceu, então, o “Amor para além da Lua”.

No pós-parto de Charlie, que foi em Inglaterra, ofereceram a Cláudia “uma caixinha de memórias”. Moldes para as mãos e pés, saco para guardar o cabelo, pendentes para fio. “Foi muito importante validarem a experiência que eu estava a ter, é o que a Renata não teve.” Em Portugal “não existia informação”, diz, nem o costume das caixinhas. Daqui surgiu a ideia de criar um crowdfunding para fazer o mesmo aqui. “A ideia é criar memórias com o bebé”, continua Cláudia, “depois do parto e para toda a vida”. Renata gostava que lhe tivessem dito que “poderia tirar uma fotografia”. Mesmo que “na hora não quisesse, hoje dava tudo para a poder ver”. Há pais que preferem não olhar o bebé e “tudo é válido”. Ambas frisam o poder de escolha.

A campanha de crowdfunding “terminou, mas continua aberta”, informa Cláudia. O d inheiro até agora angariado, que surpreendeu as duas por “tanta generosidade”, deu para fazer as primeiras caixinhas. Serão entregues a hospitais para “perdas mais imediatas”. Podem, ainda, ser pedidas no site do projeto. No entanto, “o objetivo seria ter mais tipos”. Isto porque as perdas são várias: precoce até às 22 semanas, tardia a partir desse marco e a interrupção médica, além de outras. Os “planos são muitos”, revela Cláudia. Caixas mais pequenas ou adequadas a cada caso eram ideais. Mas o balanço é positivo: “Chegam-nos casos de famílias que doam em nome do seu bebé que faleceu”.

Para Renata, “falta sensibilização, informação e formação”. Cláudia, que teve apoio, aponta que se “deviam criar salas ou alas próprias para as mães que vão ter um parto, mas não o filho”. Apesar de ser difícil, é uma necessidade. “As mães vão para o recobro e fazem essa viagem ao lado de pais que têm os bebés.” Ambas foram, pelo menos, colocadas em salas afastadas. “Mas ouve-se”, lembra Renata, “não há como não ouvir o choro dos bebés”. O corpo “pede um filho”, acrescenta Cláudia. “É um pós-parto normal: há leite, estrias, sangramento.” As duas apontam o apoio psicológico como imprescindível para aceitar o inaceitável. “Às vezes, o luto vem um mês depois”.

Os pais têm de ser fortes? A Renata disseram para esquecer o feijãozinho. Uma amiga ofereceu-lhe um ramo com um cartão: “Lamento muito”. “Fiquei chocada”, revela. Mas Cláudia fê-la ver: “Reconheceu a tua dor”. Renata passou de esconder a ficar feliz a falar do seu primeiro filho. Ao lidar com estas perdas, o ideal é guiar pelos pais: “Se falarem da criança, diga o nome, senão diga apenas que está ali para apoiar no que precisarem”.

“Eu não perdi a minha filha”, realça Cláudia. Charlie existe, apenas não nos seus braços. Estas caixinhas de memórias são “uma caixa de Pandora”, como lhe chamam ambas. De repente, mortes de bebés com 20, 40 anos, encontram apoio no “Amor para além da Lua”. E o luto pode, finalmente, ser feito. “É um luto da vida que não vivemos: do bebé, da maternidade, dos passos que não vamos ver”, resume Cláudia. Renata termina: “Estamos em luto e a seguir em frente, sem nunca mais sermos as mesmas”.