Margarida Rebelo Pinto

Boas maneiras


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Nunca fui dada a aplicações de encontros, mas não deixo de assistir de camarote ao que se vai passando no Mundo, nem de ouvir relatos de amigas, mais ou menos próximas, sobre as suas incursões no desafiante universo do dating virtual. Ultimamente, tenho sido bombardeada nas redes sociais por uma específica, cujo nome me escapa, que consiste em fazer os encontros numa mesa de jantar. Aprende-se muito sobre outras pessoas à mesa; pela forma como tratam os empregados, como pegam nos talheres e como usam o guardanapo. No caso de ser um homem, se serve primeiro a dama, se puxa a cadeira para a ajudar a sentar-se, se se levanta cada vez que ela abandona a mesa. Posso parecer antiquada (tendo em consideração a minha idade até já sou um bocadinho, facto que até me agrada), mas um cavalheiro bate sempre um homem muito bonito, ou, para quem procura um PPR até ao fim da vida, muito rico.

Se não gostamos da forma como o outro segura no garfo, sopra a colher da sopa, ou sorve ligeiramente o café, devemos dizer-lhe? Ou é melhor fechar os olhos e pensar que estamos a ser mesquinhos? A verdade é uma arma útil na construção de uma relação saudável? Ou, pelo contrário, ela pode literalmente dar cabo de tudo? Até onde deve ir a verdade numa relação amorosa? Quantas vezes calamos o que pensamos ou o que sentimos por medo, pudor, educação ou insegurança?

Podem parecer ninharias, contudo, se não fossem importantes, as pessoas não reparavam tanto nelas. Um cotovelo mal posicionado em cima de uma mesa pode acabar com uma relação? Para algumas pessoas sim. Não porque o cotovelo retire o apetite a quem está sentado do outro lado, mas porque revela modos diferentes de estar. O mesmo pode suceder com pessoas que falam alto se fomos educados numa família em que todos falavam baixo. Não estou a confundir boas maneiras com boa educação, que é um conceito mais vasto e profundo do que um conjunto de gestos automatizados, mas acredito que as boas maneiras ajudam muito à saúde de uma relação amorosa.

Falar verdade nem sempre é fácil, confrontar o outro com a nossa verdade pode ser ainda mais difícil. Tal como é melindroso explicar que as calças lhe estão curtas, que com aquela barriga não é boa ideia usar camisas de cor berrante, que o cabelo comprido nos homens só favorece abaixo dos 40 e que ter estilo é mais do que usar um cinto com a fivela prateada em forma de H, ou ténis Golden Goose.

A verdade não reside somente nos grandes gestos, nem é vivida apenas nos grandes momentos. Está presente no quotidiano e treina-se como um desporto. Calar a verdade do que pensamos e sentimos em relação ao outro vai acabar por mutilar a imagem que temos dele. A pouco e pouco somos nós, com a nossa impiedosa rigidez, que destruímos o encanto, muitas vezes por coisas que calamos. Brincar às escondidas com a verdade corre sempre mal.

A verdade existe para ser dita. Mais vale pedir gentilmente ao outro que não ponha o cotovelo em cima da mesa, que não pegue no garfo como se fosse uma chave inglesa, ou que não use o cotovelo como uma grua que leva a comida à boca, parecendo que é a boca que vai buscar a comida. As boas maneiras são a melhor herança, como dizia a Clarice Lispector, que também dizia que no fim estamos todos no mesmo barco. E já que estamos, nunca é demais cultivar a verdade, nem as boas maneiras.