Jorge Manuel Lopes

A América de Mick Jagger e Keith Richards


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

O primeiro álbum dos Rolling Stones desde 2016 começa com um riff de guitarra, o de “Angry”, que partilha a cama com o riff de guitarra de “Start me up”, que abria em 1981 o álbum “Tattoo you”. É um bom sinal, um sinal amplificado ao longo das 11 canções seguintes de “Hackney diamonds” (Polydor/Universal).

Já não há Charlie Watts – quer dizer, ainda há, que é sua a bateria em “Mess it up” e “Live by the sword”, esta última uma festa também com Elton John e o fugazmente regressado Bill Wyman. Mas há um sábio indutor de groove na pessoa de Steve Jordan. Como também há a inesperada escolha para a produção (e coautoria de temas, e múltiplos instrumentos) de Andrew Watt, nova-iorquino de 33 anos que trabalhou com Justin Bieber, Iggy Pop, Miley Cyrus e Ozzy Osbourne. Watt ajuda a conferir ao disco uma costela contemporânea, arejada.

Esta é uma coleção de canções que parece traduzir uma ideia geográfica de América, sucessão de cenários, espaços abertos, possibilidades. Enérgicas ou introspetivas. Uma frescura latina atravessa, subtil, o hino para autorrádios “Get close”. Começando com um piano de ressaca amorosa, “Depending on you” trepa até à orquestra. Um baixo para lá do limite da saturação, atacado por Paul McCartney, ajuda a fazer de “Bite my head off” uma detonação punk. “Dreamy skies” cheira a madeira, é country à maneira dos Rolling Stones – tal como “Sweet sounds of heaven” é gospel à maneira dos Rolling Stones, Mick Jagger a enlear-se com Lady Gaga, poderosa, e swing nos teclados de Stevie Wonder. Keith Richards chega crepuscular no magoado e telegráfico e desconcertante “Tell me straight”. E encerra-se, como é uso dos círculos, com uma recriação crua de “Rolling stone blues” de Muddy Waters, apenas para voz, harmónica e guitarra.

Está tudo no sítio em “Hackney diamonds”. Sem momentos descartáveis. Jagger, Richards e Ronnie Wood estão em estado de graça nas vozes, nas conversas das guitarras, na escrita, no ânimo, na energia, na inspiração. Que inveja.