Sexo na gravidez: vergonha, mitos e benefícios

É importante consultar um psicólogo para gerir situações de crise relacionadas com a vida sexual

O período de gestação é propício a diversas questões, mas as relacionadas com relações sexuais são quase sempre difíceis de levar a consultório. O tema é alimentado por mitos que ginecologistas, obstetras e psicólogos tentam desfazer.

O bebé sente ou é magoado durante a penetração. O sexo induz o parto prematuro. As relações sexuais aumentam a probabilidade de sofrer um aborto espontâneo. O sémen chega ao feto. Estes são alguns dos mitos que alimentam medos e inseguranças de casais quanto a continuar uma vida sexual ativa durante a gravidez.

Mas, apesar das (muitas) dúvidas, ainda é um tema tabu – menos de um terço dos pacientes levanta questões sobre o tema durante as consultas, segundo o médico obstetra Fernando Cirurgião.

“Tocar no assunto é visto quase como pecaminoso, como se fosse algo proibitivo e que causa vergonha.” O profissional do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, salienta, por isso, o papel fundamental do médico, que deve, em qualquer acompanhamento de gravidez, falar sobre o assunto. “Temos de torná-lo simples. Mesmo que não pareça ser um tema de preocupação”, argumenta Fernando Cirurgião, “afeta a vida do casal e a saúde mental de ambos”, sendo um dos aspetos a considerar para levar uma gravidez saudável.

O obstetra realça que “o que se passa em cada um dos trimestres pode interferir na sexualidade do casal”. Durante o primeiro trimestre da gestação, os sintomas físicos, como a intensificação dos odores ou as náuseas, e as alterações psicológicas, em grande parte devido à ansiedade, podem interferir na libido.

O segredo da comunicação

Nada que, garante a psicóloga e sexóloga clínica Ana Teresa Ramos, não seja ultrapassado com comunicação. Nos casos em que havia uma vida sexual saudável, interrompida por causa da gravidez, “é importante uma consulta de sexologia para promover a harmonia do casal e da gravidez”, já que “uma boa relação sexual facilita a travessia desta fase”.

“Tal como quando é recomendado um fisioterapeuta do pavimento pélvico, a maioria não sabe o que isso é”, a profissional com consultório na cidade do Porto acredita que grande parte dos casais ainda “não têm grande noção do que faz num sexólogo”. Mas a resposta é simples: “É um técnico de saúde que ajuda nas questões da sexualidade, que podem advir de diversos fatores”. A maioria dos pacientes que chega a Ana Teresa Ramos durante a gravidez já tinha alguma ligação ou experiência com terapeutas, sendo raros os casos em que a estreia na terapia sexual se inicia durante a gestação.

Além de ser importante consultar um psicólogo para gerir situações de crise relacionadas com a vida sexual, a sexóloga destaca o papel fundamental do companheiro. Lamentando serem ainda poucos os “estudos científicos sobre o papel do parceiro na gravidez” e numa relação sexual saudável.

Uma questão psicológica

E é o homem, refere Diana Martins, que apresenta, na maioria dos casos, os receios relacionados com o continuar das relações sexuais. Segundo a ginecologista obstetra do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, é comum a mulher querer ter relações, dado que durante a gestação há maior lubrificação e um aumento da libido, e ser o homem que recusa. “Têm medo de fazer mal, do bebé sentir, de ser magoado, de estar ali com um corpo diferente.”

Mas quaisquer que sejam os receios apresentados pelo casal, para Diana Martins, o mais importante no acompanhamento de uma gravidez com estas dúvidas é “ouvirem da parte de um profissional médico ‘é normal'”. As dúvidas, os mitos e os receios, mesmo que relacionados com questões sexuais, são normais e transversais a quase todos os casais, ainda que grande parte decida não falar do tema.

Se alguma coisa correr mal, aponta a ginecologista obstetra, o sentimento de culpa será inevitável. Mas a profissional de saúde assegura que a relação sexual por si não está associada a maus desfechos. “O que é para acontecer, acontece.” Há casos em que uma vida sexual ativa está ligada a determinadas contraindicações mas, nesses casos, o médico será o primeiro a dizê-lo.

“Quando há um colo curto e, por isso, há uma ameaça de parto prematuro. Quando a placenta está mal colocada, perto do colo do útero, há risco de hemorragias. Quando no início da gravidez há hemorragias, ou seja, ameaças de aborto.” Os mitos que ligam a relação sexual a partos prematuros, hemorragias e abortos espontâneos são, assim, refutados pela ciência, explica Diana Martins. Os casos em que é recomendada abstinência por um determinado período da gestação são particulares e raros, e estão associados às contrações do orgasmo, à libertação de oxitocina durante o prazer e à presença de prostaglandinas no sémen, que acrescem a outros fatores de riscos previamente existentes.

Quanto às doenças sexualmente transmissíveis, o médico obstetra Fernando Cirurgião lembra que, quer num período pré-gestacional quer no primeiro trimestre, são realizados análises laboratoriais extensivas ao casal, para descartar a presença destas. Por haver uma certificação, o preservativo não é recomendado logo à partida, ainda que o profissional de obstetrícia sublinhe que, em casos particulares, quando há manifestações de desconforto relacionadas com o sémen devido a alterações do pH vaginal, o uso deste método de proteção pode ser uma das soluções.

Mais do que riscos, benefícios

Em resumo, “pode e deve” haver relações sexuais durante a gravidez, afirma Diana Martins. No final da gestação, tal como subir e descer escadas ou caminhar, estas podem até ser recomendadas. O médico obstetra Fernando Cirurgião corrobora: “A vida sexual ativa pode antecipar e facilitar o trabalho de parto já que, próximo do final da gravidez, as relações sexuais, pelo ato mecânico e pela libertação das prostaglandinas, podem estimular contrações”.

No pós-parto, a história é outra. “Sugiro um pouquinho ao contrário”, sustenta a ginecologista obstetra Diana Martins. “Durante a gravidez faço questão que eles ouçam que podem, já no pós-parto, mesmo que fisicamente possam, mentalmente poderá não haver condições.” E a profissional de saúde reitera a frase “é normal”, já que a dispareunia – dores durante as relações sexuais – são consideradas comuns no pós-parto. “As duas ou três primeiras relações podem ser difíceis, tanto por haver alguma lesão da vagina como a nível psicológico.”

Diana Martins recomenda o uso de cremes vaginais hormonais, utilizados também na menopausa. Mas os benefícios são repetidos pela ginecologista obstetra: mesmo no pós-parto, a relação sexual é fundamental para melhorar a saúde mental e a harmonia do casal numa nova fase.

Desmistificar as relações sexuais

Verdade: Ter relações sexuais facilita o parto vaginal: no final da gravidez, as relações sexuais induzem as contrações e poderão ser um fator facilitador, tanto a nível físico como mental, para um parto vaginal.

Mentira: O bebé sente ou é magoado durante o sexo: o feto desenvolve-se totalmente protegido, não havendo qualquer tipo de contacto durante a penetração.

Mentira: As relações sexuais aumentam a possibilidade de parto prematuro ou aborto espontâneo: as contrações e químicos relacionados com o prazer não induzem, por si só, estes riscos. Para isso terá de haver outros riscos externos acrescidos.

Mentira: É possível engravidar depois de uma gestação já ter iniciado: são muito raros os casos em que esta situação acontece e trata-se de uma diferença apenas de dias, não havendo qualquer risco associado.

Verdade: A gravidez facilita o orgasmo: devido às alterações hormonais, o período da gestação pode ser potenciador da libido, além de haver uma maior lubrificação e irrigação sanguínea da vagina.

Mentira: Não se pode utilizar lubrificante ou gel estimulante durante a gravidez: os produtos sexuais, sendo à base de água, não têm qualquer contraindicação durante a gestação.