Na página pessoal, o embaixador do Mundial de futebol conta o segredo: “É preciso ter amor à vida, força, retribuição, paciência e esperança”. E propõe um lema: “Nada é impossível”. Inclusivamente um país propriedade de um homem com leis pouco menos do que medievais.
Ghanim Muhammad Al Muftah foi apresentado ao Mundo como exemplo de bravura e coragem. O jovem de 20 anos, vítima de regressão caudal, síndrome que impede o crescimento completo da coluna, desafia todas as probabilidades, perseguindo o futuro. Desenvolve negócios, estuda ciência política e diplomacia, recusa a cadeira de rodas, escala montanhas. Com três milhões de seguidores no Instagram e muito popular no TikTok, o ícone juvenil do Catar é embaixador do Mundial de futebol, organizado por aquele país. “Dentro das minhas capacidades quero enviar uma mensagem de esperança, inclusão, paz e unidade para a humanidade”, afirmou.
O Catar, encoberto sob a história de vida de Ghanim, foi apresentado ao Mundo como um país inclusivo, respeitador da diferença. Foi essa a intenção da FIFA ao escolher a dedo o jovem embaixador catari. Metamorfosear o país organizador. Com Morgan Freeman sentado no chão, a seu lado, Ghanim cumpriu o objetivo. Por entre versos do Alcorão declamados pela estrela de Hollywood – que ao contrário de outras aceitou avalizar o evento -, o jovem proferiu um discurso poderoso. Sobre coragem e tolerância. Porém, insuficiente para fazer referência à escravatura de seres humanos, à perseguição das mulheres, à condenação de pessoas homossexuais. Quanto ao respeito reconhecido à sua diferença, bem pode o catari Ghanim sentir-se um exclusivo.
La’eeb é o nome da mascote do Catar 2022. Com propósito muitos veem nela o espírito ressuscitado dos trabalhadores migrantes esquecidos, sem rosto e sem nome, que morreram na construção dos estádios agora inaugurados com fausto. Muftah afirma-se eivado do maior otimismo. Garante que aceitou o convite da FIFA para embaixador e figura central da cerimónia de abertura por acreditar que pode “incentivar o diálogo sobre a inclusão e a diversidade”. Por acreditar que a realização do evento naquele país – com o processo de atribuição envolto em acusações de corrupção e tráfico de influências ao mais alto nível desportivo e político – mudará uma vírgula à política do Emir. Por acreditar que o discurso do sheik Tamim bin Hamad Al Thani sobre a beleza da diversidade é uma réstia de esperança para os direitos humanos.
Ghanim nasceu no Catar com uma esperança de vida inferior a 15 anos. A sentença terrível, antecipada por ecografias, não impediu os pais de manterem a gravidez. Seguiu-se o caminho esperado: as provocações e o bullying de colegas de escola, as delicadas e repetidas intervenções médicas e cirurgias. “Ghanim foi mais longe. Abraçou a sua condição com um sorriso contagiante, muita autoconfiança e personalidade espirituosa.” O site do jovem enuncia exemplos: “Na escola, jogava futebol usando sapatos nas mãos, perseguia a bola com seus amigos de “tamanho normal’’. E, aos 15 anos, tornou-se no empresário mais jovem do país, fundando, com base numa receita secreta da mãe, uma cadeia de gelados que tem vindo a expandir – Gharissa Ice Cream.
Crente no islão, “acredita que, com compromisso e trabalho duro, realizará todas as ambições”. Na universidade, estuda Ciências Políticas, com o objetivo de seguir uma carreira diplomática. Apesar de sua deficiência, o agora embaixador do Mundial de futebol sempre teve “a atitude de ir buscar o que há de melhor na vida”, lê-se no site pessoal. “Quando as atividades empreendedoras são realizadas entre grupos especialmente vulneráveis no mercado de trabalho, o efeito multiplicador desse valor é explicitado nas sociedades em geral e no coletivo de pessoas com deficiência em particular”, afirma, em sessões de motivação.
Ghanim gosta de desportos radicais: mergulho, skate, escalada. Surpreendentemente, venceu Jebel Shams, o pico de montanha mais alto de toda a região do Golfo. E conta o segredo. “É preciso ter amor à vida, força, retribuição, paciência e esperança”, propondo um lema: “Nada é impossível”. Inclusivamente um país propriedade de um homem – sheik Tamim bin Hamad Al Thani – com leis pouco menos do que medievais.
Ghanim Muhammad Al Muftah
Cargo: embaixador do Mundial de futebol
Nascimento: 05/05/2002 (20 anos)
Nacionalidade: Catari
