Direita ou Esquerda. Uma questão de personalidade?

As características psicológicas são determinantes nas opções de voto. Ser de Esquerda, de Direita ou ter tendências populistas está também relacionado com o quão neurótico, consciencioso ou narcisista se é. E isso vale tanto para os eleitores como para os políticos.

A imagem do corpo de Alan Kurdi, que deu à costa numa praia perto de Bodrum, na Turquia, a 2 de setembro de 2015, tornou-se um símbolo da crise de refugiados no Mar Mediterrâneo. O menino sírio de três anos foi uma das mais de 3700 vítimas de afogamento durante a travessia a caminho da Europa nesse ano. Milhões de pessoas sentadas nos seus sofás viram a imagem. Uns ficaram de lágrimas nos olhos e indignaram-se com as políticas europeias. Outros encolheram os ombros e disseram: “Que fiquem na terra deles”. Uma e outra postura refletem posicionamentos políticos. Mas acontece que essas convicções políticas podem estar relativamente ancoradas em características psicológicas.

“Olhando para como a personalidade pode ajudar a explicar ambas as reações, será de esperar que aqueles com uma pontuação alta em neuroticismo se sintam mais facilmente comovidos por argumentos emotivos e, por outro, quem tem uma pontuação alta em conscienciosidade suspeite de reivindicações que procuram contornar a lei vigente”, sintetiza James Dennison, que lidera o Observatório de Atitudes Públicas em relação às Migrações (OPAM) e faz investigação na área de atitudes e comportamento políticos na Universidade de Estocolmo, na Suécia.

“Neuroticismo” e “conscienciosidade” não são palavras casuais. O investigador está a referir-se concretamente a dois dos cincos fatores daquele que é hoje o modelo mais usado para aferir a personalidade: os Cinco Grandes. Estes traços são a conscienciosidade (em que pontuações mais baixas remetem para a impulsividade e espontaneidade e as mais altas para a disciplina e planeamento); a agradabilidade (que sinaliza pessoas amáveis e cooperantes versus as mais desconfiadas e antagonistas); o neuroticismo (que reflete mais ou menos tendência para a reatividade emocional, sobretudo negativa); a abertura à experiência (que distingue entre os mais mais imaginativos, curiosos e “fora da caixa” dos mais convencionais e terra a terra”); e, finalmente, a extroversão (que mede quão sociável ou reservado é alguém).

Estes traços mostram como a pessoa se relaciona com o Mundo e com os outros e, sem surpresa, vários estudos ao longo dos últimos 30 anos chegam à conclusão que também influenciam as preferências políticas. “A abertura à experiência prediz atitudes e votos à Esquerda, a conscienciosidade prediz o voto de Direita”, resume James Dennison. A razão, acrescenta, é “intuitivamente bastante óbvia”: as pessoas de mente mais aberta, “que valorizam a diversidade nas suas próprias vidas”, aceitam melhor os comportamentos sociais menos ortodoxos, geralmente associados ao espetro político de Esquerda. “Já a conscienciosidade sinaliza a tendência para usar regras e normas sociais preexistentes, uma predisposição bastante conservadora que prevê um voto de centro-direita.”

O investigador explica que tem havido também evidências razoáveis, embora menos fortes, de que “o neuroticismo aumenta as probabilidades de ser de Esquerda”, assumindo que pessoas que têm mais sentimentos negativos em relação à situação atual são menos propensas a ver o status quo em termos positivos, o que, teoricamente, aumenta as probabilidades de atitudes de Esquerda.

Os dois traços restantes – a extroversão e a agradabilidade – têm suporte menos robustos na investigação. Apesar disso, refere, há algumas evidências de que ser extrovertido prediz um voto de centro-direita e ser amável prediz um voto de centro-esquerda. Claro que na mesma pessoa pode haver forças diferentes em confronto, mas dentro daqueles que são os dois traços mais preditivos das inclinações políticas não é vulgar haver conflitos. “É raro ver alguém com alta abertura à experiência e, ao mesmo tempo, com alta conscienciosidade”, assinala James Dennison. No entanto, quando os traços de personalidade predizem coisas diferentes, mais provavelmente teremos eleitores indecisos, pouco leais aos partidos e mais voláteis.

Das características do eleitor às do político

A personalidade condiciona a vivência das emoções e estas, sobretudo quando são negativas, são centrais para o posicionamento político, segundo vários estudos. “Tem havido uma tendência recente para ligar o apoio a movimentos populistas à expressão de sentimentos negativos, como a ansiedade provocada por mudanças societais de longo alcance”, conta Helena Marujo, investigadora do Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP/ISCSP-ULisboa) que estuda psicologia positiva e felicidade pública.

“Do mesmo modo, a raiva contra o estabelecido tornou-se uma marca registada dos protestos anti-austeridade, antivacinas e outros. A base parece ser, portanto, emocional, com estas duas emoções negativas como drivers”, conclui a coordenadora executiva da Cátedra UNESCO em Educação para a Paz Global Sustentável. Apesar disso, uma parece ter mais peso do que a outra. “O populismo parece ser mais apelativo para os cidadãos zangados do que para os cidadãos ansiosos”, aponta. “As componentes definidoras do populismo – a atribuição externa da culpa e a sua perspetiva moral e de confronto feroz – ressoam fortemente nas avaliações subjacentes à raiva, o que torna o populismo particularmente bem adaptado para expressar essa emoção.”

Mas não são apenas as características de personalidade do eleitor que o conduzem nas suas opções, também a opinião que tem acerca das características individuais dos candidatos é central, o que remete para um fenómeno conhecido como personalização da política. “A tese da personalização da política consiste na demonstração da maior saliência das figuras políticas e das suas características relativamente aos partidos e, mais concretamente, à identificação partidária”, sustenta Patrício Costa, professor de Bioestatística na Escola de Medicina da Universidade do Minho, que tem feito investigação na área do comportamento eleitoral e marketing político.

Em 2015 e 2018, publicou dois trabalhos científicos baseados em dados de sete países europeus – Portugal, Espanha, Irlanda, Alemanha, Reino Unido, Itália e Hungria – e que visavam perceber os efeitos das características pessoais dos líderes políticos na participação eleitoral e no voto. Os traços avaliados foram organizados em duas dimensões: uma mais social ou afetiva (composta por características como empatia, credibilidade, honestidade, tolerância) e outra mais intelectual ou do âmbito da competência (que agrupa características como competência, persistência e inteligência).

“Existe alguma evidência de que a componente afetiva apresenta maior influência do que a competência na escolha do voto”, revela o investigador. “Os líderes partidários com maior atratividade social, gerada pela sua empatia, simpatia, e até mesmo aparência física, tendem a apresentar maior poder de influência.”

O lado negro da força

Além dos Cinco Grandes, há outra escala de avaliação da personalidade bastante usada: a Tríade Negra ou Sombria, que avalia três características de personalidade socialmente indesejáveis: o narcisismo, a psicopatia e o maquiavelismo. Respetivamente, a sobrevalorização própria e desprezo pelos outros, uma expressiva falta de empatia e a forte tendência para a manipulação. E é esta tríade que pode ajudar a explicar a crescente ascensão do populismo, bem como resultados eleitorais recentes.

“Os políticos populistas, claramente, são os que pontuam mais alto na Tríade Negra, ao mesmo tempo que têm pontuações altas em extroversão e baixas em agradabilidade. É por isso que gostam de provocar e subverter as normas das discussões civilizadas”,considera Alessandro Nai, professor e investigador em Comunicação Política da Universidade de Amesterdão, nos Países Baixos, que estuda comportamento eleitoral e personalidade dos políticos.

Os candidatos com este perfil, explica, fazem tipicamente “campanhas mais negativas, agressivas, com muitas incivilidades e apelos ao medo”. A boa notícia é que, no geral, os eleitores não apreciam este comportamento. A má é que, ainda assim, estes políticos tendem a ter melhores resultados eleitorais. Parece um contrassenso, mas não é: diferentes eleitores reagem emocionalmente de forma diferente e aqueles que também pontuam mais alto nesta tríade sentem-se altamente mobilizados para votar nestes candidatos, dificilmente ingressando na fileira de abstencionistas.

“As bases destes candidatos são eleitores que gostam de políticos e de política ‘sombria’ com estas características porque são, eles próprios, também ‘sombrios’, com pontuações muito altas nesta tríade, atitudes populistas e baixas pontuações na evicção de conflitos.” Assim, o efeito prejudicial destes traços antissociais e campanhas negativas na generalidade da população esbate-se, levando-os a bons resultados.

Desde 2016, após grandes eleições em todo o Mundo, a equipa de Alessandro Nai pede a especialistas que avaliem a personalidade dos dois ou três principais candidatos através dos inventários de personalidade dos Cinco Grandes e da Tríade Negra. Eis algumas conclusões: “Donald Trump pontua extremamente alto na tríade, extremamente alto em extroversão e extremamente baixo em agradabilidade; Jair Bolsonaro tem um perfil bastante semelhante ao de Trump, apesar de ter uma pontuação mais alta em conscienciosidade; Vladimir Putin também pontua alto na tríade, especialmente em psicopatia e narcisismo, mas baixo em neuroticismo, sendo que esta é a principal diferença em relação a Trump.”

É mais uma explicação, entre muitas, sobre a ascensão do populismo e das tendências antidemocráticas: pessoas com características de personalidade que as tornam mais propensas a causar sofrimento social chegam a líderes, apoiadas por alguns que têm os mesmos traços e por muitos tomados por sentimentos de medo e raiva. E o que se segue? A normalização. “As atitudes e valores dos agentes sociais são marcados pelos valores políticos estabelecidos por uma determinada sociedade ou comunidade. O processo pelo qual isto acontece é um processo de construção”, lembra Helena Marujo. Cada vez que é eleito um líder com traços de personalidade que habitualmente eram vistos como socialmente condenáveis, isso torna-se um pouco mais aceitável para muita gente.