Crianças e animais. Uma relação com muitos benefícios

Filomena Santos, João Molinar e a bebé Teresa vivem, de forma descontraída mas atenta, com três animais em casa

Numa casa lisboeta, convivem descontraidamente um casal, uma bebé, dois cães e uma gata. As vantagens, as regras e os cuidados a ter na interação dos mais pequenos com os amigos de quatro patas.

A família começou com João Molinar e o cão Pó D’Arroz. Dois anos depois chegou a cadela Broa de Mel, para fazer companhia ao amigo de quatro patas mais velho. Já com dois cães, o jovem arquiteto de Lisboa juntou-se com a namorada, Filomena Santos. Bastaram dois meses para que adotassem a gata Lurdes. E em dezembro de 2020 nasceu a Teresa. Integrar a bebé na preenchida dinâmica familiar nunca trouxe receios ao casal, que só vê vantagens na relação da filha com os animais.

“É uma relação muito rica tanto para a criança como para o animal”, considera a pediatra Joana Martins. Aprender a respeitar e a tomar conta de um ser que não se expressa verbalmente, conseguir integrar um elemento não-humano na rotina diária e educar e responsabilizar para a crueldade animal são algumas das principais vantagens apontadas pela profissional do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Em resumo, “é benéfico a nível emocional, cognitivo, lúdico e de responsabilização e respeito”.

As vantagens desta interação são corroboradas por Ilda Gomes Rosa, que prontamente afirma que “os benefícios são todos”. Para a especialista em comportamento e bem-estar animal, “só se ganha por se ser criado com um animal, desde a educação precoce, respeito e a incontestável ligação”. No entanto, há cuidados a ter. O cuidado deve ser constante e a introdução da criança ao animal, e vice-versa, deve ser feita de forma gradual. Se já existe um animal em casa aquando da chegada de uma criança, a docente da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa aconselha que o treino comece o mais cedo possível. “Introduzir barulhos próprios de um bebé, sobretudo do choro, que é perturbador para pessoas e animais”, é um dos exemplos. Ainda antes do nascimento, deve também comprar-se cremes e produtos de higiene, para mostrar os novos cheiros, preparar o quarto, restringir essa área, e, se possível, receber amigos ou familiares com bebés, de forma a habituar o animal a novos elementos.

Aquando do nascimento, há truques que podem ajudar a preparar o animal. Trazer uma fralda suja e a primeira peça de roupa da maternidade é uma estratégia para treinar o companheiro de quatro patas através do olfato. Quando o bebé chega a casa, o ovo onde é transportado deve ser levado pelo pai e a mãe deve dar atenção ao animal, porque, dada a ausência, deverá ser o elemento de quem sente mais saudades. Ilda Gomes Rosa sublinha que “nunca deve haver uma interação direta, não colocando a criança ao nível do chão, mas a uma altura em que o animal possa cheirar os pés”.

Ainda que nunca tenha questionado um pediatra ou um veterinário acerca do tema, o jovem casal de Lisboa acabou por seguir algumas destas recomendações. “Foi tudo muito intuitivo”, frisa João Molinar, de 32 anos. O primeiro dia, apesar de ter sido planeado para haver uma introdução gradual, “foi completamente ao lado”. Devido a imprevistos do momento, acabou por ser “um histerismo dos cães e da bebé a chorar”. Filomena foi para o quarto acalmar a recém-nascida e João tratou de reduzir a ansiedade dos cães. O contacto aconteceu umas horas depois. “Colocamos a Teresinha na espreguiçadeira, com os cães mais calmos, e deixámo-los cheirar e fazer tudo o que tinham a fazer, sem dizermos que não podiam aproximar-se. Porque quanto mais negarmos essa aproximação, mais curiosidade há e, quando tiverem oportunidade, podem fazê-lo de forma imprevisível e perigosa”, conta este pai, que permite o acesso dos animais ao quarto.

Alergias, infeções e mordeduras

Quando se fala dos riscos da relação próxima entre um bebé e animais, a pediatra realça duas preocupações: alergias e infeções. À parte da raiva, erradicada em Portugal e com vacinação obrigatória, o único problema a ter em conta são as parasitoses, prevenidas “tendo o cuidado de desparasitar regularmente” o animal, interna e externamente. “Cumprindo esses elementos, o cão não é, por si só, um poço de infeções ou um risco biológico para as crianças.” Quanto a alergias ao pelo dos animais, Joana Martins lembra que é menos frequente do que se possa pensar, dada a baixa incidência desta reação alérgica.

Ainda assim, recorda que os bebés têm as primeiras vacinas aos dois meses de idade, o que corresponde a um período de menor proteção imunológica. “A ideia a fixar é que até aos três meses se deixe o animal longe do bebé, até porque não há necessidade ou perceção dessa interação.” A partir dos seis meses de idade, o bebé já se senta e consegue ver o mundo que o rodeia, não havendo controlo, por exemplo, do que é ingerido a nível de bactérias. “A criança anda pelo chão onde o animal anda e este contacta com o bebé e com restos de comida.” Aqui, resta manter a vigilância para evitar o terceiro fator a considerar: o risco físico.

Segundo dados da Polícia de Segurança Pública cedidos à “Notícias Magazine”, durante o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021, foram registadas 1613 ocorrências por mordeduras de cães. Dessas, 10,6% envolveram vítimas com menos de 18 anos. “São habitualmente mordidas nas mãos e, ao contrário do que é comum pensar, envolvem geralmente cães de raça pequena, pelo maior desleixo nas regras impostas”, salienta Joana Martins. As mordidas de cão, “como de qualquer animal, requerem cuidados de desinfeção e antibiótico, pois são, à partida, feridas que vão infetar, e nunca devem ser curadas em casa”. A vigilância é a palavra de ordem para a pediatra, que repete que a criança e o animal nunca devem estar sem a supervisão de um adulto.

Regras, rotinas e vigilância

“Se se juntarem sem regras, o mais certo é não correr bem”, alerta Ilda Rosa, explicando que o animal vê o bebé “como um irmão da sua matilha e espera que ele responda a estímulos que a criança não percebe”. “Por muito que se ache que o animal é o amigo mais fiel, não podemos imputar responsabilidade ao animal, seria um ser irresponsável a tratar de outro ser irresponsável.”

Quando há vontade de ter um animal, não é “necessário esperar pela criança crescer”, na opinião da docente da Universidade de Lisboa, defensora de que um cão mais velho é a melhor opção para integrar numa família com uma criança pequena, pois, por norma, já está treinado para o básico. Sugere a procura de ajuda especializada para saber qual a melhor espécie para partilhar a vida com uma criança, porque “a adoção tem de ser feita com a razão e não apenas com o coração”.

Numa fase complicada como é a chegada de um bebé, “o cão pode ser posto de parte em afeto, cuidado e mudança de horários”. Por isso, uma das regras de ouro para a especialista é o treino animal, com regras básicas de obediência, e a definição de rotinas: horas para comer, descansar e passear – o que irá trazer benefícios tanto para a criança como para o animal.

Tal como na introdução gradual antes do nascimento, também nesta fase da vida de Teresa, agora com pouco mais de um ano, o casal lisboeta acabou por seguir os conselhos apontados. “No início, quando ela era muito bebé, tínhamos mais cuidado na hora de comer, até porque com o biberão não há contacto com os animais. A partir dos seis meses, acaba por estar junto deles na hora de gatinhar, andar, brincar e comer”, partilha João Molinar, acrescentando que a casa onde habitam “não é mais ou menos limpa do que as outras, é apenas uma casa com três animais, onde, naturalmente, há pelos”. Ainda que a descontração seja a regra desta família, João Molinar mostra-se naturalmente preocupado com a possibilidade de os cães magoarem a pequena Teresa. “Com todos os animais aqui em casa, ironicamente, a única vez que ela se magoou foi sozinha, com um brinquedo.”

Com 207 mil seguidores no Instagram onde são partilhadas as aventuras de Pó D’Arroz, Broa de Mel e Lurdes, nem sempre a família Molinar e Santos recebe elogios à forma como gere uma casa com dois adultos, uma bebé e três animais. “Não é assim que se educa”, “Isso é perigoso”, “Tão sujo”, são algumas das críticas que chegam à caixa de mensagens. João Molinar responde: “Não estou a debater se é ou não correto, porque cada pessoa educa como educa, cada cão é um cão e cada criança é uma criança. E também há muita gente que tem dúvidas e que nos envia mensagens para pedir conselhos”.

Répteis, coelhos e pássaros

Apesar de os cães serem, regra geral, os protagonistas destas histórias, há outros animais que podem conviver com crianças. Quanto a gatos, Ilda Gomes Rosa destaca apenas que, por serem mais ágeis, deve haver o cuidado de aumentar o tamanho das grades de segurança ou de patamares por onde possam trepar e chegar ao bebé. Já Joana Martins fala de “um grupo específico de animais que não são tipos em conta, que são os répteis” e que requerem cuidados especiais, dado estarem colonizados pela bactéria salmonela. “Quem toma conta do terrário, tem de higienizar muito bem as mãos antes de voltar a tocar no bebé, porque pode dar origem a infeções graves cruzadas” e deve evitar que os animais andem à solta. A médica pormenoriza que os coelhos “têm o risco de transmissão da tularemia e, por isso, implicam os mesmos cuidados dos répteis”. No caso dos pássaros, que “têm um microrganismo responsável por provocar uma pneumonia atípica”, é importante, além do rigor na higiene, não os ter na divisão onde o bebé passa a maior parte do tempo.

João Molinar diz que “a ideia é não parar por aqui”. “Não estava preocupado como iria correr, porque se uma pessoa conhecer os animais e estiver atento consegue facilmente ser um mediador. Tenho noção de que há coisas que deixamos fazer e que outras pessoas podem não achar correto ou recomendado. Obviamente que eles têm reações impulsivas, mas o importante é estar atento e ir percebendo o que está a acontecer.” E a felicidade de Teresa ao interagir com os “irmãos mais velhos”, define, é impagável.

Filomena Santos, João Molinar e a bebé Teresa vivem, de forma descontraída mas atenta, com três animais em casa