Contraceção verde. Consciência ambiental ou uma questão de saúde?

As concentrações de estrogénios são alarmantes no meio ambiente, no meio aquático e no solo

A poluição estrogénica no meio ambiente é um problema de saúde pública. Está estudado. As pílulas têm a sua dose de responsabilidade nesta matéria e as gerações mais jovens preocupam-se com o impacto nos ecossistemas - mas não só. E o mercado está atento.

Contraceção verde – leia-se contraceção com menor impacto ambiental – é um conceito que começa a entrar devagarinho no vocabulário. E há trabalhos que destapam um problema pouco conhecido. Hormonas esteroides têm sido detetadas em águas residuais, superficiais e subterrâneas, em rios e lagos, no solo também. E os contracetivos não ficam bem na história. O estudo “Nest-C – Novidades epidemiológicas sobre tendências em contraceção”, realizado com o apoio da Sociedade Portuguesa da Contraceção e divulgado no ano passado, revela preocupações ambientais do lado feminino. Vinte e oito por cento das mulheres ouviram falar do impacto negativo das hormonas nos ecossistemas naturais, 35% das quais tinham entre 15 e 19 anos. E 61% das inquiridas admitiam pedir uma pílula com menor impacto no ambiente.

Fátima Palma, presidente da Sociedade Portuguesa da Contraceção, conhece os estudos e as preocupações. “Toda a nossa vida, no dia a dia, tem impacto no ecossistema, desde os produtos que usamos na alimentação, na lavagem da roupa, cremes de beleza. Todos os produtos têm impacto no ambiente.” As pílulas não são exceção. Fátima Palma nota uma crescente consciência ambiental nas gerações mais novas, mas também nas intermédias. “Nas gerações mais novas não é apenas a preocupação com o ambiente, é também a hormonofobia: desde que tenha hormonas pensam que não é bom. Tem de haver algum bom senso e noção de que não somos isentos de hormonas”, refere.

Há uma nova pílula no mercado, apresentada há cerca de um mês, com estrogénio muito semelhante ao produzido no fígado dos fetos ainda na barriga da mãe, e que, aparentemente, não é detetável em valores significativos na urina e nas fezes. A comunidade científica garante que é segura, eficaz, que tem poucos efeitos secundários. E há preservativos vegan feitos a partir de borracha natural, sem produtos de origem animal, com extrato de cardo em alternativa à caseína, uma proteína derivada do leite usada no fabrico. E há os clássicos, a pílula, o preservativo, o dispositivo intrauterino (DIU). E os métodos naturais, sem hormonas, para controlo da fertilidade.

Pesquisas confirmam que há motivos para preocupação. As concentrações de estrogénios são alarmantes no meio ambiente, no meio aquático, no solo, e a terapia hormonal tem a sua quota-parte de responsabilidade na matéria. Ana Paula Fonseca, investigadora, professora no departamento de Farmácia da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, analisou a presença de estrogénios naturais e sintéticos antes e depois da sua entrada nas estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), na sua tese de doutoramento em Ciências da Saúde. E não há dúvidas. A poluição estrogénica é um problema de saúde pública. Os estrogénios, como os sintéticos dos contracetivos hormonais, não são removíveis na totalidade à saída das ETAR. “Não se degradam, são persistentes no ambiente. O antes e o depois do tratamento não são muito diferentes com impactos nocivos para nós e para os animais”, sublinha. “É uma questão sensível, é uma questão de saúde pública e animal.”

“Os estrogénios são absorvidos pelo organismo e sujeitos a reações metabólicas, sendo uma quantidade significativa desses compostos originais e metabolitos excretados na urina e fezes, sendo frequentemente encontradas nos esgotos domésticos, águas de abastecimento, solos e sedimentos”, explica na tese. A presença desses compostos na água pode causar efeitos adversos na saúde animal e humana.

Luís Vicente, médico especialista em Ginecologia e Obstetrícia, presidente da secção de Endoscopia Ginecológica da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, considera que ainda não há grande consciência da contaminação causada pelos estrogénios e efeitos subjacentes. “Já há alguns trabalhos que mostram que existem níveis altos de estrogénios nas águas residuais e que têm implicações na vida dos peixes e que vai afetar a nossa – não vamos ficar imunes a isso”, observa. A infertilidade masculina e a endometriose feminina podem mesmo estar relacionadas com essa realidade. E, em seu entender, ainda não há essa noção.

Conhecimento, escolhas seguras

“Um contracetivo é um contracetivo, seja azul, amarelo ou verde. Contracetivo verde não existe. Os contracetivos são hormonas femininas e não há maneira de os fazer verdes. O composto sintético é o mesmo há anos”, sustenta Ana Paula Fonseca, que defende que deve haver uma maior preocupação com o destino dos estrogénios que humanos e animais excretam de forma natural, uma vez que as ETAR não os desfazem na totalidade. “Uma forma de tratamento para não piorar o ambiente”, especifica.

Ana Milhazes, socióloga, ativista ambiental, fundadora do movimento Lixo Zero Portugal, assegura que a contraceção verde está na ordem do dia, há mais gente atenta ao assunto. “Não há preservativos biodegradáveis, não há preservativos reutilizáveis, como é óbvio. Fazem-se perguntas e é complicado. Não há uma fórmula ideal de resolver essa questão”, comenta. O tema não passa ao lado das conversas, do debate nas redes sociais focado na sustentabilidade, na proteção ambiental, na saúde também. Ana não toma a pílula há vários anos. Por várias razões. “O que coloco no meu corpo tem impacto direto no planeta”, advoga. “Comecei a ter mais consciência, a perceber os impactos dos medicamentos no nosso corpo e o impacto no planeta pelo simples facto de fazermos xixi. Não só por consciência ambiental, mas também de saúde.”

Inês Martins Almeida é enfermeira, especialista em Saúde Materna e Obstetrícia, trabalha com mulheres e casais em idade fértil na área da saúde reprodutiva. É vegan, na contraceção procura alternativas naturais, “até mesmo para respeitar as hormonas do próprio corpo”. A experiência é a sua abordagem, centra-se no método de observação dos sinais que o corpo, sem embalagens, sem contracetivos hormonais. “É uma solução mais ecológica”, frisa. “Baseia-se no facto de termos seis dias de fertilidade em cada ciclo. Não é o método do calendário, não é o método dos dias, não é de previsão. Baseia-se na literacia que as mulheres têm do seu próprio corpo.” Inês ensina mulheres a conhecerem a sua anatomia, as suas hormonas, o ciclo menstrual, o que acontece durante a janela fértil. É observar o corpo, saber identificar o muco cervical, medir a temperatura basal debaixo da língua, por exemplo. E quando a janela fértil se abre, decidir o que fazer. É uma questão de liberdade, de decidir, de empoderamento.

Tamar (Marta Azevedo) é socióloga, especialista em sexualidade consciente e desenvolvimento pessoal feminino, não toma a pílula, usa o método natural de fertilidade. “Tudo começou pela redescoberta da minha sexualidade,” recorda. “Organicamente e fisiologicamente, o que acontece ao padrão natural hormonal feminina é muito como as estações do ano, é muito variável.” Há que conhecer esse padrão, o corpo, entender como é a escalada do desejo, o período fértil. O movimento ecológico e de sustentabilidade nesta matéria mostra-lhe que, afinal de contas, está tudo alinhado. Há, no entanto, coisas a fazer e a mudar no caminho do empoderamento feminino. “É esta capacidade de as mulheres tomarem a responsabilidade do seu corpo. É óbvio que não é para todas, é óbvio que a contraceção hormonal faz sentido em determinadas situações. Pode ser uma opção, mas não é a única opção.”

Fátima Palma volta à hormonofobia. “Não podemos pressupor que se tem hormonas não é bom”, avisa. E realça a importância de “optar por métodos seguros e eficazes”, para uma informação sustentada que permita escolhas fundamentadas, sublinhando ainda que os contracetivos hormonais são mais seguros e fiáveis do que os métodos naturais.

Há os efeitos no ambiente e há os efeitos na saúde. Luís Vicente alerta para uma contraceção segura e que tenha pouco impacto em termos de coagulação, com menos efeitos na glândula mamária, por exemplo, pílulas com estrogénios mais naturais – as que existem, refere, reduzem em 60% o cancro do ovário. Pela saúde, sobretudo.

Factos e números

28%
das mulheres ouviram falar do impacto negativo das hormonas no ambiente, 35% das quais tinham entre 15 e 19 anos, segundo um estudo revelado em 2021. E 61% das inquiridas admitiam pedir uma pílula com menor impacto ambiental.

Os preservativos de borracha natural são fabricados em várias etapas. Imersão do molde num banho em látex com aditivos e vulcanização do composto, seguem depois para um forno com temperatura regulada e terminam com operação de lavagem e secagem antes de serem embalados.

70%
das mulheres portuguesas usam a pílula anticoncecional pela eficácia e fácil toma, sendo que 64% destacam o controlo do ciclo menstrual e 52% os benefícios para a pele.

“Eu escolho” é o nome de uma plataforma de informação, com o apoio da Sociedade Portuguesa da Contraceção, que tem o objetivo de aumentar a literacia em saúde sexual e reprodutiva.