Margarida Rebelo Pinto

A lenta curva dos 50


Rubrica "A vida como ela é" de Margarida Rebelo Pinto.

O mundo está cheio de amores recuperados e vividos em pleno, basta olhar para o Ben e a sua eterna J.Lo, que se abraçam e beijam em todos os eventos e parques de estacionamento.

Há vários verões que andamos nisto, o calor dispara num descontrolo nunca antes testemunhado e depois as temperaturas baixam, a chuva ameaça, o vento enfurece-se, até o termómetro voltar a disparar. Olhamos para as previsões do tempo com desconfiança e rezamos para que em julho e em agosto esteja sempre bom tempo. Já não está. Andámos a dar cabo do planeta que enfrenta a maior seca dos últimos 1200 anos, fazendo derreter glaciares que matam pessoas durante inocentes passeatas turísticas. Que o degelo será um dos grandes flagelos do futuro é daquelas coisas que toda a gente já devia saber, mas enquanto a baixa lisboeta não se transformar numa segunda Veneza, o mundo não acorda. Bem-vindos a mais um verão bipolar, bem ao jeito do Mundo como ele está, ou é.

O mesmo acontece com os corações desemparelhados: num dia é tudo perfeito, completo, maravilhoso, a realidade tinge-se de azul clarinho e de cor-de-rosa suave, para, na manhã seguinte, os ânimos se revelarem cinzentos, desamimados e descorçoados. Descorçoado é o adjetivo que me faz pensar em alguém que entrega o coração ao génio da lamparina para que ele o guarde no fundo do mar, dentro de uma bela concha Nautilus, não apenas por ser das mais elegantes, mas também por ter, entre os moluscos cefalópodes, das vidas mais longas, 20 anos em média. Ter o coração armazenado durante duas décadas parece uma eternidade quando olhamos para o futuro e uma infinidade quando olhamos para o passado. O mundo está cheio de amores recuperados e vividos en pleno, basta olhar para o Ben e a sua eterna J.Lo, que se abraçam e beijam em todos os eventos e parques de estacionamento. Sim senhor, é bonito de se ver, também eu acredito que um grande amor encontrará sempre o seu lugar, que o tempo paralelo também corre, e que esse tempo, onde é o lugar de todos os sonhos por realizar, pode mesmo vencer o outro tempo, mas a sorte não toca todas as almas, ou em algum momento estaríamos todos acertados com quem o destino nos marcou.

Os corações avulsos parecem cada vez mais secos, quiçá seguindo as catastróficas tendências climáticas. Hoje somos tudo um para o outro, mas amanhã é outro dia e nunca sabemos como será. Antes dos 40, sonhamos com tudo e acreditamos que conseguimos tudo, a partir daí somos obrigados a aceitar o sabor de algumas derrotas, começamos a tomar decisões em prol do nosso conforto, e, depois dos 50, entramos na longa curva do sossego. A cada plano ou sonho por realizar, perguntamos à cabeça e ao coração se valerá a pena o esforço, o tempo, o investimento. Até as almas mais esvoaçantes calculam as manobras de aterragem antes de iniciar o voo. Os cautelosos verificam vezes sem conta se os fios do paraquedas não estão emaranhados, não vá o diabo tecê-las. É que os amores de verão são espetaculares para quem gosta de adrenalina e catastróficos para quem prefere o sossego.

Na curva lenta e não lancinante de um desaparecimento calculado, já ninguém chora como um adolescente, embora ainda se tropece de ternura, como tão bem escreveu O’Neill em “Um Adeus Português”. Que Deus nos salve do modo funcionário de viver.