A técnica inovadora por micro-ondas para tratar nódulos benignos começou a ser usada em março no nosso país. É minimamente invasiva, não obriga a internamento, nem deixa cicatriz.
Na correria da vida de uma realizadora de televisão pouco habituada a parar, Celeste Bento, 49 anos, não fazia ideia que tinha um nódulo benigno na tiroide, mesmo tendo ele 4,5 centímetros. Pelo menos até fazer análises de rotina. Foi aí, em setembro do ano passado, que uma alteração dos valores da hormona TSH abriu a porta a um caminho de vai-não-vai no que toca ao tratamento. Vive em Lisboa, fala acelerada, não aceitou as hipóteses que lhe apresentaram e não parou até descobrir alternativas.
“Sou muito pragmática, quando isso foi detetado nas análises, fui logo a uma endocrinologista no privado”, conta ela. O diagnóstico? Tinha a doença de Plummer, um bócio nodular tóxico, que provoca hipertiroidismo. É assintomática, mas viver com o nódulo não era opção. Para evitar cirurgia, a solução que lhe deram foi tratamento com iodo radioativo, que é tomado por via oral. “Ia eliminar um problema e criar outro. O iodo pode destruir mais do que o nódulo, pode destruir a tiroide e provocar hipotiroidismo. Teria que tomar comprimidos a vida toda, nem pensar. Além de que tinha que ficar de baixa 14 dias, não podia estar perto de ninguém. Tudo isso me assustou.”
Pesquisou tanto até descobrir a radiologista Leonor Fernandes, no Hospital CUF Tejo, que em março deste ano realizou pela primeira vez no país, no Hospital de Santa Maria, Lisboa, um tratamento inovador a nódulos benignos: a ablação percutânea da tiroide por micro-ondas. “Li uma notícia sobre a nova técnica, que é minimamente invasiva, não obriga a internamento e não descansei. Fui ter com ela e disse-lhe que era a candidata perfeita”, relata. Foi a persistência de Celeste que a levou a ser a primeira doente a ser submetida ao tratamento num hospital privado em Portugal – as seguradoras ainda não o comparticipam. A data está-lhe cravada na memória: 16 de junho. “No pós-operatório foi como se nada se tivesse passado. E o nódulo já reduziu quase 70% de tamanho. Isto tem que ser partilhado. Tive que ser eu a procurar, nunca me apresentaram como alternativa.”
Rápido e menos invasivo
A alternativa é bem recente no país para tratamento de nódulos da tiroide, embora a técnica já fosse usada por cá em lesões benignas noutros órgãos, nomeadamente no fígado, rim, osso, pulmão. Mas percebê-la implica voltar atrás. “A tiroide é uma glândula que temos na base do pescoço, que produz hormonas fundamentais para uma série de funções orgânicas. Há casos em que trabalha de mais, o hipertiroidismo, e casos em que trabalha de menos, o hipotiroidismo. E essa desregulação tem repercussões a todos os níveis. A pessoa não se sente bem”, explica a radiologista Leonor Fernandes. Os nódulos surgem como umas bolas na tiroide, e tanto podem afetar a sua função, porque a pressionam, como não.
A patologia é muito comum, sobretudo em mulheres. “Se fizermos ecografia a todas as mulheres, mais de metade vão ter nódulos na tiroide”, diz a médica. Em muitos casos, a doença é assintomática. Mas, noutros, pode não só afetar a função do órgão como gerar dificuldade a respirar, dor a engolir e trazer a reboque queixas estéticas, quando o nódulo é visível no pescoço. A solução passa quase sempre pela cirurgia. Só que, além da cicatriz no pescoço, há riscos de alterações na voz, de glândulas removidas acidentalmente e não é raro que a tiroide acabe por ser toda retirada, o que obriga a medicação para o resto da vida.
A nova técnica por micro-ondas, pouco invasiva, vem revolucionar a intervenção em todo o tipo de nódulos, sólidos, líquidos, mistos. Mas nem toda a gente é elegível. Só é aplicada a quem tem um ou dois nódulos benignos com pelo menos dois centímetros. “O que fazer a um nódulo que é benigno, mas que é grande e começa a dar queixas? Para esses casos é uma técnica muito promissora.” Desde março, Leonor Fernandes já realizou quatro vezes o procedimento. É rápido: leva 40 minutos. “É feito por um radiologista, consiste em introduzir uma agulha com um elétrodo dentro do nódulo, com a ajuda da ecografia para ver. A antena vai libertar calor e destruir as células do nódulo.” A redução não é imediata. Mas, ao fim de três meses, já há registo de reduções na ordem dos 50% a 80%. E não só é alternativa à cirurgia, como à radiofrequência, que também já se começa a usar no país, mas que tem mais riscos de hemorragia e trata áreas mais pequenas.
Seis anos à espera
Já lá vão seis anos desde que Ana Marques detetou um nódulo benigno na tiroide. Para uma médica de medicina familiar não foi difícil perceber. Uma pressão na garganta e um inchaço na zona do pescoço foram o suficiente para fazer uma ecografia. Era benigno, tinha três centímetros. “Mas trazia dois problemas: esteticamente ficava mal, tinha um papo no pescoço muito visível. E também sentia pressão quando estava deitada ou ao engolir.”
Sabe melhor do que ninguém que, nestes casos, a cirurgia é quase certa. “Queria evitar ao máximo, é um procedimento invasivo, que pode tirar metade da tiroide ou mesmo toda.” Não quis, esperou. Hoje, tem 38 anos, vive na Maia. Valeu a pena. Já conhecia a técnica por micro-ondas e assim que houve possibilidade de fazer o tratamento no Hospital Santos Silva, em Gaia, nem pestanejou. “Logo à partida não ter que ficar com uma cicatriz horrorosa no pescoço ou com possíveis lesões nas cordas vocais já era uma vantagem. E se fizesse cirurgia ia ter que parar de trabalhar.” Corria o mês de junho, Ana fez o tratamento numa segunda à tarde, na terça já foi trabalhar. Ainda não passaram três meses e o pescoço já voltou ao normal. “Antes, qualquer pessoa que olhasse para mim via um papo. A diferença foi abissal, já não tenho sintoma nenhum e é expectável que reduza mais ainda.”
Para quem trabalha na porta de entrada do Serviço Nacional de Saúde e encaminha muitos utentes, Ana tem noção de que há pouco conhecimento da técnica. “Quando temos um doente com este tipo de nódulos, o primeiro pensamento é enviar para cirurgia. É importante haver mais informação, mesmo entre os colegas.” No SNS, o doente paga 50 euros de taxa moderadora.
Deve chegar a mais hospitais
A técnica, que já é usada lá fora no tratamento de nódulos da tiroide há cerca de uma década, deverá estender-se a mais hospitais. Até porque, e segundo a radiologista Teresa Dionísio, que realiza o procedimento no Santos Silva, “para o hospital também é vantajoso, apesar do preço da agulha, que custa cerca de mil euros, poupa-se a ocupação de um bloco operatório, o recurso a uma equipa cirúrgica, incluindo anestesista, e a ocupação de uma cama no internamento”. O tratamento não implica anestesia geral, o doente está sempre acordado. E a médica acredita que, a longo prazo, poderá vir a ser usado também em lesões malignas.
Vantagens não faltam. “Além de não afetar a função da tiroide, faz-se apenas uma pequena incisão, de dois milímetros, como quando se faz uma biópsia. Nem são precisos pontos.” No meio de tantos benefícios, porquê a demora a usar a técnica em nódulos da tiroide no nosso país? “Primeiro, havia desconhecimento de que pudesse resultar. Depois, era preciso investimento material, porque as agulhas que usamos noutros órgãos não têm o tamanho nem a potência adequadas a um órgão tão pequeno e sensível.” Foi Teresa quem desafiou os colegas do Hospital Santos Silva a avançar e a começar a referenciar doentes. Em boa hora o fez. Já lá vão três e em todos teve resultados.