Jorge Manuel Lopes

Lady Gaga nasceu assim. Ainda bem


Crítica de música, por Jorge Manuel Lopes.

Na primavera de 2011 era o álbum pop mais aguardado – pop no sentido abrangente de cultura popular, de casa comum para uma multidão global. Depois do êxito da estreia em 2008 com “The fame” (revista e ampliada um ano depois através de “The fame monster”), revelando uma estrela pop camaleónica para tempos digitais, Lady Gaga engendrou um épico para segundo capítulo da sua história. “Born this way”, álbum excessivo e saturado, 61 minutos de hinos de aceitação, tolerância, comunhão, diversidade, superação. Foi ao abrigo destas 14 canções que se percebeu de vez estar-se perante uma polímata, um fontanário de referências forrado a purpurina.

“Born this way” é uma obra profundamente americana no olhar e na magnitude musculada do som – e o bizarro mutante humano/ motorizado que adorna a capa, é uma extensão lógica desse espírito. (Mesmo com as referencias britânicas que são claras em Lady Gaga desde o início, o universo glam-rock à cabeça – Brian May, guitarrista dos Queen, não aterra por acaso no hino para arenas “You & I”.) E não se pode ser mais americano, no que essa ideia feita tem de mais inclusivo e individualista, do que evocar a estrada infinita de Bruce Springsteen (“Born to run” – “Born in the USA” – “Born this way”) na canção final, “The edge of glory”, traduzida em parte para synthpop e conduzida até ao fio do horizonte pelo solo de saxofone de Clarence Clemmons – a rodagem do vídeo para este tema terá sido o seu último gesto público, falecendo dias depois.

Mudou algo em “Born this way”, escutado uma década depois numa edição comemorativa com temas adicionais? O seu fôlego parece mais evidente agora, se calhar porque (e o autor destas linhas está consciente da ironia da argumentação) finalmente livre das comparações, da saturação mediática, do contexto. É uma saga pop fundida com eletrónica épica dançável, euro disco, electroclash, Broadway, ópera, hard rock espacial – tudo com o volume no vermelho. As seis faixas de “Born this way reimagined” são entregues por nomes associados à comunidade LGBTQIA+, com pontos altos na recriação cristalina de “Marry the night” por Kylie Minogue e no carnaval elétrico à moda de Nova Orleães que Big Freedia traz para “Judas”.