Jorge Manuel Lopes

John Coltrane está de partida


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Em janeiro de 1965, através da editora Impulse!, havia chegado o álbum “A love supreme”, que se tornou o portal mais popular para a entrada no(s) mundo(s) sónico(s) criado(s) por John Coltrane, o (sobretudo) saxofonista de carreira curta mas de produção copiosa, incandescente e sempre em progressão estética e espiritual. Uma produção tão copiosa, em estúdio e em palco, que material discográfico novo continua a chegar às lojas em 2021, quase 55 anos após a sua morte madrugadora, aos 40.

A título de exemplo, e sem recuar muito no tempo, em 2018 chegou o autoexplicativo “Both directions at once: The lost album”. Seguido, um ano depois, por “Blue world”, banda sonora de um filme canadiano. Ambos têm duas características em comum com “A love supreme”: o assombroso registo numa só sessão (“Both directions…” a 6 de março de 63, “Blue world” a 24 de junho de 64, “…Supreme” a 9 de dezembro do mesmo ano) e os músicos em ação, com a equipa mais produtiva e fiel a Coltrane – Jimmy Garrison no contrabaixo, Elvin Jones na bateria, McCoy Tyner no piano.

Chega agora outra pérola, desta vez diretamente da semana de atuações no clube Penthouse, em Seattle, outono de 1965. “A love supreme: Live in Seattle” é uma das duas gravações ao vivo conhecidas da suite integral do álbum quase homónimo e a única em que a formação de John Coltrane se expande para septeto, à altura da ambição conceptual e do caminho que desbravaria nos anos seguintes: ao quarteto base juntam-se Pharoah Sanders (saxofone tenor), Donald Raphael Garrett (contrabaixo) e Carlos Ward (sax alto).

Em “Live in Seattle” assiste-se a uma dissolução ainda maior dos parâmetros, já de si porosos, dos quatro capítulos do disco de estúdio. As peças crescem em duração e em possibilidades, tentam-se linguagens que se afastam do percurso prévio de Coltrane e do jazz mais ortodoxo, com uma intensidade e clareza espantosas. Soa ao princípio de algo: em 1965, John Coltrane está de partida para dois anos de uma viagem singular, uma ascensão através do som.