Estratégias para manter o espírito de equipa em teletrabalho

Miguel Moreira Rato junta, no Zoom, a equipa da Adagietto às quartas e sextas para conversar e beber um copo de vinho (Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Os momentos de descontração à hora de café acabaram. A ligação entre os colegas está a ressentir-se, com impacto na criatividade das organizações. Mas há alguns oásis.

Mariana Ferreira está equipada, em frente ao computador pousado no sofá de casa, na Maia. Está a terminar mais uma aula de ioga virtual, que todas as semanas a Blip, tecnológica do Porto, organiza para os trabalhadores. Mariana é employee experience manager na empresa que, desde março, tem os 375 trabalhadores em teletrabalho. Já lá vai quase um ano. “Todos sentimos falta de tomarmos café juntos, de irmos almoçar à cozinha, dessa interação.”

A aula de ioga acontece à hora de almoço, junta-se quem quer. É uma das muitas estratégias que a empresa encontrou para manter a equipa motivada e, mais do que isso, unida. A Blip estendeu a mão aos colaboradores e não só lhes deu um bónus de 650 euros – 250 para material de escritório e 400 para despesas de luz e gás – como pôs à disposição consultas virtuais de psicologia alargadas ao agregado familiar, aconselhamento legal, criou atividades. “É natural que exista um afastamento gradual das pessoas. Embora muitas equipas, organicamente, acabem por se juntar. Algumas criaram o momento tosta mista a meio da tarde, almoços via Zoom, convívios ao final do dia. Encontram alternativas para continuarem a estar juntos, mesmo estando fechados em casa”, diz Mariana.

Todas as semanas, Mariana Ferreira faz uma aula de ioga em casa, na Maia, promovida pela tecnológica onde trabalha, a Blip, que tem todos os funcionários em teletrabalho. Qualquer colaborador pode assistir à aula. A empresa também organiza aulas de pilates
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

É a cultura do escritório levada para dentro de casa. E a empresa dá um empurrão importante nisso. “Temos vários apoios gratuitos. Apoio financeiro, para o caso de o marido ou a mulher terem perdido o emprego, apoio jurídico, social. É feito por uma empresa externa, não temos acesso a quem está a recorrer, é sigiloso.” A Blip também organiza workshops de bem-estar, webinars, atividades para os filhos dos trabalhadores, festas virtuais, como “no Halloween, num jogo com todos mascarados”. Uma coisa é certa: no pós-confinamento, a empresa não vai voltar ao que era.

“Os micro momentos de pausa estão a reduzir”

Mas, ao fim de quase um ano de teletrabalho, os bons exemplos são pequenos oásis e há feridas à espera de cura. Segundo Sónia Pedroso Gonçalves, especialista em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, “os micro momentos de pausa estão a reduzir”. “A situação tem vindo a deteriorar-se. Há reuniões à hora de almoço ou às 18.30 que antes não existiam, os limites horários estão a ser cada vez mais ultrapassados.” E isso deixa pouco tempo para o resto. “O meu marido fazia sempre uma pausa às 10.30 horas na empresa e, nos primeiros meses de confinamento, manteve esse ritual, sentava-se à frente do computador com um café e ficava a conversar. Com o passar do tempo e as alterações de horários deixou esse ritual.” É uma “acomodação global, uma falta de disciplina”.

Para a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, em causa está o abandono dos “momentos curtos de recuperação psicológica”, em que não estamos a pensar no trabalho. “Aqueles momentos de ir à casa de banho em que encontrámos um colega no corredor, em que vamos beber um café ou lá fora fumar, são cinco a dez minutos que ajudam a criar laços, a afastar do trabalho, a relaxar, a partilhar coisas pessoais, a contar uma anedota.” E mesmo nas empresas que os incentivam, virtualmente, o efeito não é o mesmo, “porque falta a espontaneidade do momento e em muitos casos está-se com um olho no computador e outro nos filhos”.

Para a especialista, com o teletrabalho, “as exigências são maiores e mais rápidas” e “há sentimento de culpa com as pausas”. Estamos sempre ligados, “a jantar e a controlar o email ao mesmo tempo”, numa “rotina disfuncional” em que faltam os rituais informais.

“Sou um bicho de equipa, sofri imenso”

Há pouco mais de uma semana, a campainha de casa dos 36 trabalhadores da agência de comunicação Adagietto, em Lisboa, tocou. Era um copo de café personalizado com o nome de cada um e um kit panquecas para prepararem em casa que deu motivo de conversa. A empresa está em teletrabalho. “Sou um bicho de equipa. Sofri imenso com a história de virmos para casa. Não poder virar-me para o lado e fazer uma graça ou, de repente fazer um brainstorming sobre um cliente, causa-me um transtorno gigante”, confessa Miguel Moreira Rato, CEO da Adagietto que acatou, contrariado, o teletrabalho.

Sente que “há uma necessidade enorme” de a equipa estar junta e tem tentado contornar a ausência física numa ginástica de ideias que não consegue travar. “Tentamos criar momentos juntos. Sou obcecado em fazer com que as pessoas sintam a cultura da empresa. Já antes da pandemia, todos os meses, sorteávamos duas pessoas que tinham de almoçar juntas. Temos uma newsletter interna em que cada colaborador partilha o que gosta, de cinema, música, viagens. Passamos grande parte do dia com estas pessoas, quero que se sintam parte de um todo.” Com o teletrabalho, às quartas e sextas apareceram as reuniões informais, via Zoom, para beber um copo de vinho, uma cerveja. Mesmo separados por ecrãs. “Decidi implementar estas duas calls simplesmente para estarmos, falarmos sobre o que nos vier à cabeça. Para nos vermos. Para arejar do cliente, da campanha, do projeto.”

Jaime Ferreira da Silva, presidente do Conselho de Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações da Ordem dos Psicólogos, acha que as “reuniões online para uma conversa mais solta” são um bom caminho a seguir. Porque o impacto da distância é grande. “Há capital de conhecimento que não circula e que é desperdiçado. O famoso encontro na copa para tomar café faz circular muita informação pertinente, o que à distância é muitíssimo mais difícil.”

Depois de tantos meses de pandemia, Jaime Ferreira da Silva alerta para o “mecanismo da dessensibilização, a perceção dos riscos com o tempo tende a atenuar-se”. Já não se aplaudem os profissionais de saúde à janela, já não há concertos entre vizinhos. E, a nível empresarial, também se vão perdendo as ligações, “daí estes tempos exigirem mais envolvimento das chefias”. Sugere contactos diários em videoconferência, jogos, atividade física.

No final de tudo, o especialista acredita que o teletrabalho vai vencer e passar a andar de mãos dadas com o trabalho presencial. Há estudos a apontar para isso. A maioria (68%) dos responsáveis de recursos humanos de médias e grandes empresas pretende adotar o teletrabalho de forma estrutural, segundo o Barómetro do Kaizen Institute. E mais de metade dos trabalhadores inquiridos num estudo do grupo Ageas e da Eurogroup Consulting Portugal gostaria de manter o teletrabalho.

Menos inovação, mais cansaço e burnout

Ana Veloso, uma de cinco investigadoras que tem vindo a estudar o teletrabalho no projeto “Power2Project”, salienta que “manter a organização coesa é uma das grandes preocupações dos diretores de recursos humanos com o trabalho remoto”. “Muitas empresas até investiram em programas de bem-estar, saúde mental, aplicações móveis de meditação para manter a motivação da equipa.” A psicóloga do trabalho explica que “o teletrabalho foi um grande empurrão para a mudança”, num regime em que se perde menos tempo em deslocações, mas com impacto em termos sociais. “As equipas desenvolvem-se pelas interações e até agora estivemos a experimentar. Ter 100% das equipas em teletrabalho trouxe grandes dificuldades.”

Os que mais sofrem, segundo a psicóloga, são os trabalhadores que vivem sozinhos. E também quem tem poucas condições em casa. Reconhece, nesta altura, o “impacto na criatividade e inovação que vem de interagirmos”, mas também por passarmos muito mais tempo fixados a um ecrã, o que “dá um grande desgaste físico e mental”. “O burnout não acontece só com os profissionais de saúde. E a energia inicial da resiliência, com a continuação, é substituída pelo desgaste.”

Um desgaste que a GSTEP tem tentado contrariar. A empresa de business intelligence, de Algés, tem os 40 trabalhadores em casa. “Contratámos uma professora de ginástica para aulas às terças e quintas e, quem quiser, junta-se por Zoom”, destaca Michele Penedo, diretora financeira. São cerca de 40 minutos em que todos se veem. A par da atividade física, a empresa criou desafios às sextas. “Temos que recriar um quadro famoso, como a Mona Lisa, ou fazer uma fotografia criativa do nosso espaço de trabalho. Todos votamos e o vencedor recebe em casa donuts, gelados, o pequeno-almoço. Divertimo-nos muito.”

Os desafios virtuais semanais da GSTEP têm divertido os trabalhadores (Foto: DR)

No Natal, distribuíram cabazes e uma prenda por todos os colaboradores para matar a falta do típico jantar, que se fez na casa de cada um com os ecrãs ligados e um jogo interativo de pergunta-resposta. “Não temos uma pessoa dedicada a isto. Foi surgindo pela gestão. Também já enviámos para casa cervejas, amendoins, tremoços, para partilharmos uma bebida ao final do dia. Sem isto, corremos o risco de haver falta de ligação à empresa”, reconhece Michele Penedo. “Falo com quase todas as pessoas todos os dias. Ou por trabalho ou só para fazer conversa. E também vemos a casa das pessoas, há uma partilha mais íntima, onde se mostra o cão, o filho.”

Na GSTEP até a um jantar de Natal virtual os trabalhadores tiveram direito
(Foto: DR)

Ana Paula Marques sintetiza: “Estar numa empresa não é apenas estar numa relação contratual, é uma relação de sociabilidade a vários níveis e o teletrabalho, em contexto de confinamento, vem pôr isso em causa”. Para a socióloga e professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, “não haver olhos nos olhos, gestos, energias, não é a mesma coisa”. Defende que há fraco investimento das empresas nas condições dos colaboradores em casa, que há sobrecarga de trabalho neste contexto e que é preciso “um animador de equipas em teletrabalho para fazer constantemente este apelo” de se manterem as relações.

“Como é que o vínculo a uma organização poderá sobreviver a esta dimensão de trabalho individual? Dependerá, no futuro, de as empresas encontrarem um regime amigável”, conclui.