Confiança: a cola que faz o mundo funcionar

Importante para a capacidade de confiar parece ser a oxitocina, uma hormona produzida no hipotálamo

Escolhemos quase sempre confiar. Na família e nos amigos, mas também em estranhos, instituições ou empresas. A confiança é, em parte, uma conquista da socialização, mas também é inata: fazemo-lo porque os nossos cérebros estão programados para isso.

Talvez a mais bela definição de confiança seja aquela que revela a sua aparente contradição: sentirmo-nos seguros, mesmo quando estamos vulneráveis. Abraçamos diariamente esta crença, não por falta de sensatez, mas por necessidade. Uma necessidade que começa logo que nascemos. “O bebé humano depende dos progenitores para assegurar as necessidades básicas até muito tarde. Por exemplo, só após os 12 meses é capaz de andar sozinho”, lembra Joana Coutinho, do Laboratório de Neurociência Psicológica da Escola de Psicologia, na Universidade do Minho. Ou seja, quando nascemos, já vimos equipados com esta capacidade de confiar, até porque, assinala a investigadora, “para o recém-nascido, confiar nos cuidadores é crucial para a sua própria sobrevivência”.

Ana Seara Cardoso, também do Laboratório de Neurociência Psicológica da Universidade do Minho, considera que a nossa natureza social – nomeadamente a capacidade de confiar e de cooperar – está refletida na arquitetura do nosso cérebro, onde uma rede extensa de regiões se dedica ao processamento e integração de informação social. “Este cérebro social integra regiões como a amígdala, a ínsula anterior, o sulco temporal superior, a junção temporoparietal, o cingulado anterior e o córtex pré-frontal”, esclarece. “Todas atuam de forma concertada quando decidimos confiar em alguém ou não. Por exemplo, a amígdala e a ínsula anterior têm um papel importante no processamento emocional, nomeadamente na deteção e identificação das emoções dos outros e das nossas próprias emoções. Estes processos são extremamente importantes para a confiança.”

Oxitocina, a hormona do amor

Importante também para esta nossa capacidade parece ser a oxitocina, uma hormona produzida no hipotálamo, responsável pelo trabalho de parto. Paul Zak, diretor do Centro de Estudos em Neuroeconomia e professor na Universidade de Claremont, nos Estados Unidos, é conhecido por “Dr. Love” precisamente por ter sido pioneiro na descoberta do papel deste ingrediente nos nossos comportamentos crédulos, prestativos e generosos. “Percebemos que o cérebro liberta oxitocina quando os outros nos mostram preocupação ou bondade e que ela motiva a reciprocidade”, explica à NM. Talvez por isso, o investigador habitualmente cumprimente as pessoas com um abraço, em vez de um aperto de mão.

Zak defende que a hormona parece ser o substrato neurobiológico da chamada “regra de ouro”, encontrada em todas as culturas: o princípio moral segundo o qual cada um deve tratar os outros como gostaria de ser tratado. “Comportamo-nos de maneira adequada porque estamos perfeitamente sintonizados com os sinais sociais através do sistema de oxitocina. Precisamos de outros humanos para sobreviver, então, evoluímos para ter um senso moral.”

A oxitocina, faz notar, aumenta a empatia: “Quando as pessoas são empáticas, é menos provável que magoem os outros porque são mais sensíveis aos sentimentos deles”. Por oposição, ao examinar maus comportamentos, o investigador concluiu que a hormona não está presente, seja por haver níveis elevados de stresse que inibem a sua produção, um passado com eventos traumáticos que “parecem danificar o sistema de oxitocina no cérebro’’ ou devido à presença de traços de psicopatia, que implicam precisamente uma ausência desta capacidade empática.

Fé nos outros é validada

“Quando comunicamos com os outros, geralmente, não só acreditamos neles, como nem nos passa pela cabeça duvidar”, realça Timothy R. Levine, professor de Estudos da Comunicação, na Universidade do Alabama, em Birmingham (EUA) e autor do livro “Duped” (sem edição em português). É aquilo a que chama a “teoria da verdade por defeito”, uma característica humana absolutamente essencial. “É o que garante a comunicação funcional que precisamos para ter relações, aprender e cooperar em larga escala”, diz, em entrevista por email, à NM. Caso tivéssemos habitualmente dúvidas sobre o que os outros nos dizem, assegura, “ainda éramos caçadores-recoletores, agrupados em pequenas tribos familiares”.

Esta fé nos outros faz sentido por outra razão – geralmente, corresponde à verdade. “A maioria das pessoas é honesta na maior parte das situações, logo, esta crença é uma grande troca: obtemos a comunicação eficiente que precisamos pelo pequeno custo de sermos enganados de vez em quando, geralmente em coisas pouco relevantes.” Segundo Timothy R. Levine, só suspendemos esta crença – e temporariamente – quando se justifica. “Por exemplo, quando alguém nos tenta vender algo e se comporta de forma assustadora ou contradiz factos que conhecemos.”

Sem honestidade, resposta muda

Já Rui Oliveira, professor de Neurociência Comportamental no ISPA-Instituto Universitário e investigador principal do laboratório de Biologia Integrativa do Comportamento no Instituto Gulbenkian de Ciência, é um pouco menos otimista. Defende que, se em grupos sociais reduzidos, como os dos nossos antepassados, as interações repetidas e frequentes promoveram as regras de reciprocidade, hoje, as condições são diferentes, mais voltadas para a familiaridade. “Numa sociedade globalizada, em que as interações podem decorrer sem ‘espectadores’ e entre parceiros que têm uma baixa probabilidade de voltarem a interagir, os incentivos para a honestidade e a confiança são baixos porque as condições para a reciprocidade e para a valorização do prestígio social diminuem”, sustenta. Por isso, atualmente, a confiança tende a ser seletivamente direcionada para as pessoas e instituições com que interagimos mais frequentemente e de uma forma que corresponde às nossas expectativas.

Porque é certo que a evolução nos equipou com a capacidade de confiar, mas nos muniu também de outra capacidade ainda mais vantajosa e que é sobreponível: aprender com a experiência e moldar o nosso comportamento de acordo com ela. Se se alteram as condições, muda a nossa resposta. “A definição de confiança requer o conceito de honestidade”, recorda Rui Oliveira. Confiar “é assumir que um sinal que é utilizado para comunicar informação sobre algo o representa fidedignamente e tomar uma decisão com base nesse pressuposto.” Se o sinal deixa de ser honesto e as nossas expectativas são defraudadas, o nosso comportamento é adaptativo: quebra-se a confiança que tínhamos. “É a história do Pedro e do Lobo.”