Coerência, a base das marcas credíveis

Quando os consumidores tentam falar e não são ouvidos, a marca tende a perder a confiança

Essencial em qualquer relação, a confiança tem de ser a prioridade de quem quer conquistar a lealdade do consumidor. Na criação de uma imagem fiável, sólida e duradoura, o comportamento coerente é a chave. Três especialistas dão pistas sobre como construir, desde a primeira hora, um nome firme no mercado.

A confiança é seguramente um dos ativos mais importantes de uma marca. Mas como se constrói, desde a primeira hora, um nome comercial confiável? A coerência é o segredo, garantem os especialistas. “Com o tempo, o consumidor vê se aquilo que a marca diz é realmente coerente com o que ela faz”, frisa Samuel Lins. Para o investigador na área do comportamento de compra, as práticas seguidas pelas empresas, ou a ausência delas, podem determinar o grau de confiança dos clientes. “Se uma marca diz que é sustentável, mas depois nada tem de sustentabilidade, ou se está envolvida num caso de corrupção, isso é o suficiente para abalar a confiança que se deposita nela”, explica o docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

A ideia de que a incoerência gera desconfiança é também sustentada por Luís Gomes da Silva. “Quando uma empresa se diz preocupada com a diversidade, mas depois não a pratica, há também aqui uma quebra”, justifica o responsável pelo Departamento de Marketing da empresa tecnológica Fabamaq.

A construção de uma marca credível pode passar também pela confiança que as empresas depositam nos seus funcionários. “O negócio existe e os trabalhadores fazem parte dele”, nota Raquel Soares, lembrando que com a adesão significativa ao teletrabalho, devido à pandemia por covid-19, vai ser necessário conquistar a confiança das pessoas para retornarem às empresas. “Se eu trabalhar numa empresa que não me oferece condições de segurança, qual é a confiança que eu tenho para voltar a trabalhar fisicamente?”, questiona a diretora executiva da Beautiful Branding Agency, revelando que já há companhias a trabalhar a imagem do colaborador que, nos últimos tempos, foi “perdendo uma série de hábitos” e adquirindo “uma nova rotina”.

Pessoas a ouvir os clientes

Centrando a ótica novamente no consumidor, os especialistas apontam outras ideias-chave para humanizar as marcas e torná-las mais dignas de credibilidade. “É importante ser-se transparente. Contar a história do que efetivamente se passa. Tudo se acaba por saber”, recorda Luís Gomes da Silva.

Crítico dos chatbots (programas de computador que tentam simular um ser humano em conversações online) por “não criarem confiança nem gerarem proximidade” com o consumidor, o responsável da tecnológica portuense sublinha a necessidade de as empresas estarem disponíveis para responder a perguntas. “Nos dias de hoje, temos poucos sítios para estar junto dos clientes. Por isso, colocar uma pessoa real, ainda que virtualmente, a responder às questões que o consumidor possa ter é muito importante”, sublinha.

Samuel Lins acrescenta, por seu turno, a necessidade de se ouvir e esclarecer o cliente e não esperar que ele venha reclamar. E o investigador exemplifica como isso pode ser transversal a outros domínios, que não apenas comerciais: “No ano passado, vários clubes de fãs do cantor brasileiro Luan Santana ficaram em greve. Reclamavam que o cantor não lhes dava a merecida atenção e que interagia pouco com eles. Para evitar o boicote, Luan voltou, então, às redes sociais”.

Conclusão: quando os consumidores tentam falar e não são ouvidos, a marca tende a perder a confiança.

Fundamental também é que o consumidor se sinta acarinhado. “Há marcas que estabeleceram com o cliente uma relação de confiança quase inquebrável mesmo quando há produtos semelhantes [na concorrência]. Veja-se o caso dos iogurtes, onde há pouca diferenciação de preço, mas mesmo assim há umas mais relevantes do que outras”, destaca Luís Gomes da Silva.

Quando os erros saem muito caro

Os especialistas convergem também que as marcas podem errar – afinal, não há empresas perfeitas e as coisas nem sempre funcionam bem. Ainda assim, a superação de uma eventual crise vai sempre depender do motivo que levou à violação da confiança e da forma como a empresa vai gerir a situação. “Recordemos o escândalo da Volkswagen. Quando se descobriu que alguns veículos tinham sido equipados com um software que os fazia parecer menos poluentes do que realmente eram, aí houve uma grande quebra de confiança. Os mercados abalaram-se. O gigante automóvel teve grandes prejuízos, mas, de alguma maneira, assumiu o erro e seguiu em frente”, justifica Samuel Lins, regente da cadeira de Psicologia do Consumidor na FPCEUP. Luís Gomes Silva reitera, por outro lado, que “não há problema em perder a confiança” do consumidor, desde que se “avalie o risco”, assegura.

Seja como for, é consensual que a confiança demora a ser construída e que mantê-la é o grande desafio. Sobre este ponto, Raquel Soares não tem dúvidas: “Não podemos dizer que existe uma ação e o efeito de confiança é imediato. Tem de ser construído”.