A comida que conforta o cérebro

Além das perturbações do comportamento alimentar, há estados emocionais e psicopatologias associadas a alterações no padrão alimentar (Foto: Yulia Furman / AdobeStock)

Alimentação e emoções têm uma relação visceral. Défices vitamínicos, eixo intestino-cérebro e comida de recompensa influenciam esta ligação feita em dois sentidos.

O intestino está povoado por microrganismos que se alimentam daquilo que ingerimos. Estas bactérias, vírus e fungos – que formam a microbiota – têm funções importantes na manutenção da mucosa deste órgão e no controlo de outros microrganismos considerados perigosos. Mas estudos recentes descobriram que estes minúsculos organismos desempenham também um evidente papel no cérebro e, consequentemente, na saúde mental. É o chamado eixo intestino-cérebro.

“Os microrganismos do intestino alteram as substâncias daquilo que ingerimos” e transformam-nas em subprodutos que podem ser benéficos ou prejudiciais ao cérebro, explica o psiquiatra Joaquim Cerejeira. “Há uma relação próxima dos dois órgãos”, assegura Conceição Calhau, docente da Nova Medical School, em Lisboa, na área da nutrição. Através da ação da microbiota, os alimentos que consumimos podem influenciar as substâncias que chegam ao nosso cérebro e os mecanismos responsáveis pela parte emocional.

“Há uma relação próxima dos dois órgãos [intestino e cérebro]”, explica Conceição Calhau, docente da Nova Medical School, Lisboa
(Foto: DR)
Numa abordagem mais ampla, Joaquim Cerejeira acrescenta que a influência da alimentação na saúde em geral acaba por ter impacto a vários níveis. “Não há saúde mental se a pessoa tiver problemas físicos”, exemplifica.

“Se nos alimentamos, também é para alimentar o cérebro”, o órgão que mais energia gasta, salienta Conceição Calhau. Existe, pois, uma clara influência da comida nos estados mentais e emocionais.

Determinados défices vitamínicos estão também associados a complicações mentais. Joaquim Cerejeira fala em “consequências no normal funcionamento do cérebro, défices cognitivos ou quadros depressivos”. Ou seja, a escolha alimentar pode afetar o bem-estar psicológico quando o que ingerimos não fornece os componentes necessários à saúde.

Desejos, açúcar e culpa

A influência pode também ser indireta. “Quando sentimos culpa por ter comido algo é um exemplo de que as nossas escolhas vão provocar estados emocionais negativos”, realça Eva Conceição, investigadora na área da Psicologia da Universidade do Minho.

Mas a ligação entre comida e saúde mental faz-se nos dois sentidos. Também certos estados psicológicos podem ser responsáveis por desregulações ou determinados desejos. Quem nunca almejou um doce num momento de maior fragilidade emocional?

“Quando sentimos culpa por ter comido algo, é um exemplo de que as nossas escolhas vão provocar estados emocionais negativos”, reconhece Eva Conceição, investigadora na Universidade do Minho
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Joaquim Cerejeira, também docente na Universidade da Beira Interior, pormenoriza: “O chocolate, os doces, entre outros, dão-nos uma sensação direta de recompensa que altera o estado emocional”. Este fenómeno pode ter duas explicações. A primeira é a capacidade de o cérebro reconhecer alimentos com características úteis ao seu funcionamento e do corpo. “O açúcar é determinante para as células e o cérebro está programado para gostar dele.”

Outra razão é o paralelismo com os mecanismos desencadeados pelas drogas. “Há alimentos com características que estimulam vias do cérebro, como a mesolímbica, responsáveis pela sensação de recompensa”, provocada pela produção do neurotransmissor dopamina.

Além das perturbações do comportamento alimentar (como a bulimia e a anorexia), há estados emocionais e psicopatologias associadas a alterações no padrão alimentar, como a perturbação bipolar ou a depressão, entre outras, que podem “levar a comportamentos alimentares desregulados”, alerta Eva Conceição.

A dieta que favorece os neurónios

“Há estudos que mostram que certos nutrientes são benéficos à constituição do cérebro e estão presentes em quantidade significativa na dieta mediterrânica”, facilitando o bom funcionamento cognitivo e emocional, assinala Joaquim Cerejeira.

A presença de hortícolas e frutas na dieta típica desta zona do Mundo assegura compostos favoráveis à “neuroproteção” e, por consequência, ao bem-estar psicológico, adiciona a docente da Nova Medical School.

“O chocolate, os doces, entre outros, dão-nos uma sensação direta de recompensa que altera o estado emocional”, garante Joaquim Cerejeira, docente na Universidade da Beira Interior
(Foto: DR)

Para Eva Conceição, a ligação entre mente e alimentos não é uma nova área de estudo, mas antes uma consequência da importância crescente da saúde mental, que leva a um maior investimento e atenção sobre o tema. Quanto à psicologia, a investigadora acredita no trabalho conjunto com a área da nutrição. “Há pouca prática complementar, mas faz falta”, principalmente para fomentar a adesão a um determinado plano alimentar.

Embora destaque que “ninguém fica doente mental por comer certos alimentos”, a verdade é que o acompanhamento nutricional é fundamental, juntamente com a área médica, nos casos de perturbações do comportamento alimentar, reconhece Joaquim Cerejeira.