O regresso à normalidade dos dias é lento. Para os que aos poucos põem os pés ao trabalho, comer fora ainda não será opção. Pelo gasto e pela logística. A marmita, está visto, será uma solução.
Sai-se de casa a medo. Apetrechados. Máscara, luvas, alguns de viseiras e desinfetante das mãos. E se ainda há, e haverá, quem queira e possa continuar em teletrabalho, outros sempre se viram obrigados a sair ou começam agora a regressar dia sim, dia não, semana sim, semana não, ao local de trabalho. Quase ao mesmo tempo, restaurantes e cafés abrem portas, com necessárias medidas de segurança. Mas o receio persiste. Bem como novas dificuldades financeiras.
As marmitas ressurgem assim, num panorama social alterado, como uma solução com benefícios. Práticas, económicas e, porque não, saudáveis? A “Notícias Magazine” falou com três nutricionistas que sugerem alguns menus que, além de não darem trabalho a preparar, não obrigam a grande logística na hora de comer.
Cristina Teixeira, diretora do serviço de Nutrição no Hospital de São João, no Porto, garante que não faltam opções. “As saladas, por exemplo, são refeições nutritivas e muito fáceis de preparar em casa. Com atum ao natural, com frango, com grão-de-bico. Além disso, depois nem precisam de ser aquecidas no micro-ondas.” A que se pode juntar “uma sopa de legumes, fundamental por uma questão de saciedade”. Mas a nutricionista também aponta para comidas tradicionais portuguesas – “os grelhados, fáceis de transportar”. Outro prato pode ser o risoto de cogumelos, “receita fácil de executar e rápida de aquecer, com proteína para os vegetarianos”.
As massas, como as saladas, também oferecem bastante margem de manobra e saciam. “São sempre preferíveis receitas com hidratos complexos, que são os integrais.” E porque um menu termina melhor com sobremesa, Cristina Teixeira avança com peças de fruta, “peras, maçãs ou laranjas”, de preferência “em espécie e não em saladas, para evitar manipulação”. Já agora, se couber na marmita, para o lanche, um iogurte e um pão escuro é boa ideia. “Para fugir às barritas de cereais”.
“Ao contrário do que se pensa, pode substituir-se uma refeição de faca e garfo por uma sanduíche. Que além de pouco calórica, pode ser muito nutritiva”
Já Paula Veloso, nutricionista, autora do livro “Dietas sem Dieta” e recentemente corresponsável por “Peso, uma Questão de Peso”, um manual que ensina a emagrecer ou a engordar sem perder a saúde e o prazer de comer, elege as sanduíches como a alternativa com o melhor dos dois mundos: “Ao contrário do que se pensa, pode substituir-se uma refeição de faca e garfo por uma sanduíche. Que além de pouco calórica, pode ser muito nutritiva”. Basta encará-las com outro horizonte, para lá “do fiambre, do queijo e da mortadela”. Utilizando, por exemplo, “hortícolas, que nunca são exagero, e conservas, em que não há desperdício, e que têm cada vez menos sal”.
As conservas como aliadas
Pão de mistura com sardinhas em tomate. Pão da avó com pasta de grão-de-bico, alface e fiambre de peru ou de frango ou mesmo requeijão. Pão de cereais com ovo mexido e cenoura ralada. Pão de forma integral com espargos e atum. Pão de sementes de sésamo com cavala, beringela e rúcula. Ou outros ingredientes que tenha em casa. Com a vantagem de que “o que estiver em casa é resultado daquilo que a pessoa escolhe na hora de comprar”. Em vez de fiambre, “a carne assada que sobrou do jantar”. A pasta de grão-de-bico e os ovos “são excelentes também”. São muitas as vantagens, explica Paula Veloso:”Comem-se bem frias e até podem ficar pré-feitas quase para toda a semana”.
E para complementar? “Uma peça de fruta basta, porque se a sanduíche tiver hortícola dispensa a sopa.” Mas esta, a sopa, continua a ser uma opção mais do que válida, “até porque pode haver sítio no local de trabalho para a aquecer”. E também aqui se pode dar largas à imaginação. Além disso, recorda, “a sopa, por ter água e fibra, faz muito bem ao intestino”.
Também para a nutricionista Iolanda Rodrigues, uma marmita não tem de ser aborrecida. Aliás, pode e deve ser colorida. A título de exemplo, a também diretora editorial da “Vida Ativa” deixa uma sugestão para o almoço num dia normal de trabalho. O arco-íris começa na entrada, com sopa de legumes. Continua no prato principal, com uma salada de frango desfiado com quinoa e espinafres, mais molho de laranja. A sobremesa deve contemplar uma peça de fruta à escolha. A bebida? Água ou limonada, mas sem açúcar.
“É importante perceber que esta salada deve ser composta por 50% de vegetais, 25% de proteína (frango) e 25% de hidratos de carbono (quinoa)”, salienta. A adição de frutos secos e sementes “pode aumentar consideravelmente o valor energético da mesma”. Assim, “o ideal é optar por deixar estes alimentos para o lanche”. Quanto à salada, Iolanda Rodrigues chama a atenção para o cuidado a ter com os temperos. “Optar por usar ervas aromáticas em detrimento do sal e limitar o azeite a uma colher de sopa.”
Comer no local de trabalho
“As pausas para o almoço são altamente recomendadas. Não é à toa que estão contempladas pela legislação do trabalho”, começa por referir Salomé Sousa, psicóloga com especialidade em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações. As quebras na jornada ajudam a salvaguardar o bem-estar do trabalhador: “Vão melhorar a concentração e aumentar a nossa energia mental, emocional e cognitiva”.
Nesse sentido as refeições, “a que culturalmente damos muito valor, são atos socialmente importantes, ainda mais se partilhados com colegas ou até chefias. São momentos que podem trazer muitos benefícios”. Permitirão, por exemplo, “dar oportunidades de mostrar algumas qualidades que não vêm vertidas nos currículos, como o humor”.
Mais: “A forma como levamos a marmita pode refletir muito sobre as nossas características, como a organização”. O reverso da medalha só se verifica se a pessoa, em vez de socializar, “come em frente ao computador, enquanto faz telefonemas e verifica o email”. A ausência de pausa “é desaconselhada do ponto de vista psicológico e até relacional. Pode até levar à exclusão de um grupo”.