Por que é tão especial o sangue que une mãe e filho?

O momento do parto. Um momento mágico. Um nascimento. Uma vida. E todo um mundo de possibilidades. O sangue do cordão umbilical, que une e depois separa mãe e filho, é único. Por várias razões. Clinicamente falando, as células estaminais do sangue do cordão umbilical são semelhantes às da medula óssea. Podem ser usadas no tratamento de mais de 80 doenças, na maioria doenças do sangue, como leucemias e alguns tipos de anemias, bem como do sistema imunitário e metabólicas.

“A sua utilização encontra-se em fase de ensaios clínicos em doenças como paralisia cerebral, autismo, perda auditiva, diabetes tipo 1, lesões da espinal medula, entre outras, o que poderá aumentar em muito o leque de aplicações clínicas do sangue do cordão umbilical”, adianta André Gomes, diretor-geral da Crioestaminal, que se dedica à conservação dessas células.

Até ao momento, em todo o mundo, já foram realizados mais de 40 mil transplantes com sangue do cordão umbilical.

As células estaminais do tecido do cordão umbilical têm, portanto, características especiais. E, por isso, podem ser congeladas logo após o nascimento, no momento do corte dessa ligação umbilical. É feita a colheita, a amostra é transportada para um laboratório, o tecido do cordão umbilical é processado – e há dois métodos possíveis -, e depois trata-se do armazenamento, a criopreservação com descida controlada da temperatura até cerca de -150ºC.

“Depois deste arrefecimento controlado, as amostras são mantidas em tanques de criopreservação abastecidos com azoto líquido, a temperaturas muito baixas (na ordem dos -196ºC), durante o tempo de duração do contrato ou até serem requisitadas para tratamento”, refere André Gomes.

As células estaminais têm a capacidade de se autorrenovarem e darem origem às células especializadas que constituem os tecidos e órgãos do nosso corpo. Por outro lado, permitem a reparação de tecidos danificados e a substituição das células que vão morrendo e, por isso, são tão importantes no tratamento de diversas patologias.

O tecido do cordão umbilical também é muito rico em células estaminais mesenquimais que têm capacidade de regular a resposta do sistema imunitário. O que significa, explica o responsável, que “podem ser usadas no tratamento de doenças como as doenças autoimunes”. “Além disso, quando utilizadas em conjunto com células estaminais hematopoiéticas, podem aumentar a probabilidade de sucesso dos transplantes. O potencial destas células encontra-se em estudo em ensaios clínicos em doenças como diabetes, colite ulcerosa, cirrose hepática, cardiomiopatias, esclerose múltipla, lúpus e doenças do enxerto contra hospedeiro, entre tantas outras”, acrescenta.

As células estaminais são também designadas por células precursoras ou células mãe. Têm particularidades e características únicas.

“Hoje sabemos que as células estaminais constituem um recurso terapêutico muito importante que pode ser utilizado no tratamento de mais de 80 doenças muito graves, e estima-se que, no futuro, esse número venha a aumentar. No que diz respeito à utilização de células estaminais do sangue do cordão umbilical, nos últimos anos, além das doenças hematológicas, tem-se assistido à sua utilização noutras doenças. A diabetes tipo 1 e a paralisia cerebral foram das primeiras áreas de interesse neste contexto e que têm registado evoluções muito positivas”, sublinha André Gomes.

Estão em curso vários ensaios clínicos para testar o potencial do sangue do cordão umbilical em lesões da espinal medula, perda da função auditiva, doença cardíaca congénita, acidente vascular cerebral, e autismo, entre outras patologias.

O primeiro transplante de sangue do cordão umbilical realizou-se em 1994 no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, para tratar uma criança de três anos que sofria de leucemia mieloide crónica. O transplante de células do sangue do cordão umbilical, do seu irmão, foi realizado após quimioterapia. Com células estaminais guardadas em bancos familiares em Portugal, o primeiro transplante teve lugar no IPO do Porto, em 2007, numa criança de 14 meses que sofria de imunodeficiência combinada severa, uma doença rara e fatal quando não tratada, tendo-se recorrido às células estaminais do irmão do doente. A criança ficou curada.

Há outras utilizações de células estaminais do sangue do cordão umbilical. Um caso de leucemia mieloide aguda no Hospital Niño Jesus, em Espanha, e oito utilizações no âmbito da paralisia cerebral, sete nos Estados Unidos e uma em Espanha. Segundo o diretor-geral da Cristoestaminal, nos “casos das crianças com paralisia cerebral, os pais e os prestadores de cuidados, identificaram melhorias após a infusão de sangue do cordão umbilical.”