Texto de Sara Dias Oliveira
Desde miúda que a escrita lhe flui com naturalidade, adorava as composições da escola. Na adolescência, percebeu o poderoso impacto da escrita nos outros. A partir dos 15 anos, dedicou-se à arte com mais seriedade, lia muita poesia, andava com “O Medo” de Al Berto, de capa negra, debaixo do braço pelos cafés de São João da Madeira, ao lado de Oliveira de Azeméis, onde nasceu.
Decorou poemas e o pai dizia-lhe, com graça, que andava com uma bíblia a tentar evangelizar com poesia. Tinha uma certa razão. “A minha dedicação à arte poética começara a tornar-se uma devoção, uma forma de me transcender, quase como se do contacto com algo divino se tratasse”, observa.
Escrevia semanalmente no DN Jovem, os seus poemas eram publicados e premiados. Em 2004, nasceu o primeiro livro – “A Melancolia das Mãos” -, prémio literário para menores de 18 anos, organizado pela Câmara da Lousã e pela extinta editora Pé de Página. Seguiram-se mais obras e prémios. Ganhou, por três vezes, o Prémio Literário João da Silva Correia, da Câmara de São João da Madeira.
Escreveu, entre outros livros, “Uma Devastação Inteligente”, “O Sono Extenso”, “O Movimento Impróprio do Mundo” e “A Transfiguração da Fome”, que este ano conquistou o Prémio Literário Glória de Sant’Anna como melhor livro de poesia publicado em países de língua portuguesa em 2018. Uma obra escrita entre Lisboa e Pequim, com passagens por Macau.
Em 2017, foi autora convidada do Festival Internacional de Poesia e Literatura de Istambul, na Turquia. No ano seguinte, estava na organização do Festival Literário de Macau e do Festival Internacional de Literatura entre a China e a União Europeia. Os seus poemas estão traduzidos e publicados em sete línguas.
Poesia é liberdade e libertação. “A liberdade absoluta de desarticular o Mundo, sintetizar contrários”, assinala. A melhor forma de relatar acontecimentos. “Gosto da criação de labirintos e da rutura de enclausuramentos – linguísticos, estéticos, éticos, morais.” Explora limites físicos e mentais. “Gosto de deixar que a minha paixão em relação às coisas entre em combustão espontânea e depois venha desaguar em poemas. Talvez seja isso a inspiração”, considera.
As experiências pessoais misturam-se com o que a rodeia em temas intimistas, poemas livres, sem moralismos. “Não sinto que tenho o direito de aconselhar ninguém num poema, apenas quero proporcionar uma experiência: a experiência antilírica do poema, a ferocidade da linguagem como uma devastação.”
Sara F. Costa, 32 anos, licenciada em Línguas e Culturas Orientais e mestre em Estudos Interculturais: Português/Chinês, vive em Pequim, na China. Coordena as atividades do Spittoon, coletivo artístico centrado na escrita criativa, onde inaugurou o primeiro workshop de poesia que reúne um grupo internacional de poetas e académicos e onde dá aulas de Inglês e Português como língua estrangeira.
Mas quando lhe perguntam o que faz, gosta simplesmente de responder que se dedica à escrita. “Mais do que uma profissão é uma espécie de desígnio que se sobrepõe a outras tarefas. E porquê definirmo-nos com uma profissão?”, pergunta.