Os filhos crescem. Como dar-lhes asas para voar?

Foto: Miguel Pereira/Global Imagens

Duarte tem sete anos e já faz os trabalhos de casa sem o apoio permanente dos pais, um pulo desde o 1.º ano da escola. Está mais autónomo nesta parte, noutras também. Certo dia, descalçou-se, arrumou as sapatilhas e contou à mãe, que lhe perguntou se tinha aproveitado para tratar dos sapatos da irmã Margarida, de quatro anos. Não o tinha feito.

A mãe explicou-lhe a importância da entreajuda, da partilha, do amor e da família, lembrou-lhe que quando cozinha, cozinha para todos. Duarte escutou, não disse nada, ficou a pensar. Há dias, a mãe pediu-lhe para colocar a roupa passada a ferro nas gavetas. Duarte assim fez e comunicou à mãe que tinha arrumado a roupa da irmã. Crescer também é isto.

Maria Manuela, enfermeira, e Filipe Sorte, militar da GNR, têm três filhos. Duarte de sete, Margarida de quatro, Tomás de 15 meses. “A nossa família é uma equipa, trabalhamos todos para o mesmo”, adianta Maria Manuela. Por enquanto, o foco está sobretudo na autonomia em casa, os dois mais velhos já tomam banho sozinhos, ajudam em algumas tarefas domésticas.

“Explicamos aos nossos filhos que nada cai do céu, que tudo é fruto do nosso trabalho, do nosso esforço e que, às vezes, temos de dizer que não.” Se Duarte, volta e meia, desabafa que não quer fazer os trabalhos de casa, a mãe pede-lhe então ajuda para arrumar a cozinha. Na conversa, decidem o que fazer. “Não vou ser repreensiva que isso não resulta”, conta Maria Manuela. Os seus pais eram assim. Herdou algumas estratégias do passado, mantém as que lhe parecem mais corretas, mas isso não chega. O Mundo mudou. “As realidades são completamente diferentes da minha altura, mesmo em termos de liberdade”, realça.

Os filhos são pequenos, estão a crescer, a ganhar autonomia. Maria Manuela e Filipe Sorte vão ouvindo histórias de amigos e dos filhos que pedem para sair à noite, que saem de casa para estudar na universidade. “Já pensamos nisso e preocupamo-nos. Todos os momentos são momentos de aprendizagem para eles e tentamos estar sempre atentos. Se já no meu tempo era errado proibir, proibir, proibir, agora muito mais.”

“Explicamos aos nossos filhos que nada cai do céu, que tudo é fruto do nosso trabalho.” Lições de vida de Maria Manuela, enfermeira, e de Filipe Sorte, guarda, aos três filhos (Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

“Temos de acompanhar a evolução dos tempos, agora há as redes sociais, há coisas que não podemos ignorar”, diz Maria Manuela. Dar asas para voar é ponto assente, o que significa saber gerir emoções, dúvidas, ansiedades, lidar com a autonomia, soltar uma corda devagarinho, cortar o cordão umbilical aos poucos para não doer. “Vê-los crescer é uma coisa fabulosa.” O casal, que mora em Macieira da Lixa, Felgueiras, tenta equilibrar os pratos da balança com o que sentiu na pele, a educação que recebeu, o ser único que cada filho é, solicitações e exigências dos tempos modernos.

Bárbara Ramos Dias, psicóloga, é mãe de Francisca de 13 anos, Vasco de 11 e Vicente de sete. Foi educada com a filosofia de liberdade com responsabilidade e é isso que transmite aos filhos. “Os meus pais sempre disseram, ‘antes de fazeres alguma coisa, pensa se nós vamos gostar de saber. Se tiveres dúvidas, é porque não será a atitude mais correta’. Partilho desta filosofia, ensino-a aos meus filhos, sobrinhas e pacientes”, sublinha.

Deu telemóveis aos dois filhos mais velhos no 5.º ano, mudança de ciclo, mudança de escola. Quando lhe pedem para irem sozinhos ter com amigos a pé, confia e deixa ir, não sem antes lembrar regras e limites. Dar liberdade de forma gradual, controlada, segura. “Pode começar por ir almoçar com os amigos ao café fora da escola, ir ao cinema, ou mesmo por uma ida à praia. Se nestas pequenas experiências cumprir todas as regras de segurança e ordens estabelecidas, então pode ir passando às fases seguintes. O mais importante é a maturidade e não a idade, no meu ponto de vista.”

Bárbara Ramos Dias, três filhos, psicóloga de crianças e adolescentes. “Não deixarmos os filhos crescerem torna-os adultos incapazes de agir face a uma adversidade”. (Foto: Orlando Almeida/Global Imagens)

Crescer é ganhar responsabilidade. “Quem quer ser ‘grande’ tem de conseguir por iniciativa própria pôr a mesa do jantar, arrumar o quarto, mostrar que já é crescido, e assim os pais também vão deixando fazer algumas coisas aos poucos”, acrescenta. “Uma menina de 11 anos que seja responsável na escola também pode começar a ter liberdade. Caso contrário, na minha opinião, não terá responsabilidade para fazer as ‘coisas dos mais velhos’.”

O crescimento dos filhos é feito de momentos maravilhosos e felizes e os pais devem acompanhar todas essas etapas com regras e limites, as chamadas balizas. “Sempre com muito amor e pepitas de alegria. Só assim eles se irão sentir mais seguros, confiantes e tornar-se adultos responsáveis, que sabem lidar com os desafios e frustrações da vida”, prossegue Bárbara Ramos Dias. Mas acompanhar não é superproteger. Também é necessário deixá-los “cair” para que descubram como levantar-se. É como aprender a andar de bicicleta. Cair, levantar e, se for o caso, tratar das feridas.

“OS MEUS PAIS SEMPRE DISSERAM ‘ANTES DE FAZERES ALGUMA COISA, PENSA SE NÓS VAMOS GOSTAR DE SABER. SE TIVERES DÚVIDAS, É PORQUE NÃO SERÁ A ATITUDE MAIS CORRETA'”
BÁRBARA DIAS SANTOS

Falar, ouvir, saber escutar

Acompanhar o percurso de um filho é a vida dos pais. As crianças querem asas para voar e precisam de apoio, proteção, mimo, educação e respeito por quem são, pela individualidade. É natural que os pais sintam a fragilidade e a vulnerabilidade dos filhos, sobretudo quando são pequenos. Não se pergunta a uma criança de um ano o que quer comer ou se prefere sapatos pretos ou castanhos. A questão é que tudo muda. As crianças crescem em tamanho e em maturidade. E é preciso lidar com tudo o que isso representa.

O pediatra Mário Cordeiro fala em confiança, verdade, respeito, alegria e cumplicidade. Sempre, em qualquer ocasião. É necessário debater ideias, mostrar que não há apenas uma verdade, que é importante admitir erros, que há pedidos e comportamentos inadequados ao momento, às circunstâncias, aos contextos. “Por vezes, os pais não entendem que um jovem, ou até uma criança de nove ou dez anos, já tenha ideias e pense pela sua cabeça, e até que essas ideias sejam diferentes das dos pais.”

Respeitar a autonomia é gerir atividades básicas, como a alimentação e a higiene, é lidar com o pensamento próprio, identidade, uma vida autónoma. E tudo depende da relação entre pais e filhos e do tempo e espaço para falarem, ouvirem, saberem escutar. “Há que compreender os sentimentos dos outros e para tal é preciso desenvolver a empatia: os pais não podem ser arrogantes, jactantes, ditatoriais. Os filhos não podem vitimizar-se, pensar sempre que são uns desgraçadinhos ou que os pais são uns mauzões que embirram só por embirrar.”

A conquista de liberdade exige algum jogo de cintura. De ambas as partes. “Ir ‘soltando’ os filhos é determinante, e desde escolher a roupa sozinhos (analisando sempre se a escolha é boa do ponto de vista climático, da atividade que vai fazer e da escolha estética) até ir a pé para a escola ou qualquer outra coisa, os pais podem e devem ensaiar esta autonomia, sem agitar papões mas, claro, chamando a atenção para eventuais riscos.” Afeto e amor não podem faltar. Não é por crescerem que precisam de menos mimo e a adolescência não é um bicho-de-sete-cabeças, é um período de enormes alterações corporais, emocionais, de independência e identidade. Liberdade sim, mas de forma responsável. “Se há direitos, também há deveres”, salienta.

“OS PAIS NÃO PODEM SER ARROGANTES, DITATORIAIS. OS FILHOS NÃO PODEM VITIMIZAR-SE, PENSAR SEMPRE QUE SÃO UNS DESGRAÇADINHOS OU QUE OS PAIS SÃO UNS MAUZÕES”
MÁRIO CORDEIRO, PEDIATRA

Ouvir opiniões, colocar argumentos em cima da mesa, tomar decisões. Chegar a consensos. Para Mário Cordeiro, filhos e pais devem manter a intimidade e privacidade e, à medida que crescem, “não é obrigatório as respetivas vidas serem livros transparentes. Quando esse recato é mantido, os filhos tendem a contar mais coisas aos pais, com o seu próprio timing e não quando os pais querem que eles contem, e veem nos pais, não uns inquisidores, mas sim uns confidentes e cúmplices. E a proteção de quem sabe, ou seja, de quem viveu mais e tem sabedoria”.

Bárbara Ramos Dias é mãe e é psicóloga especialista em crianças e adolescentes e autora do livro “Respostas simples às perguntas difíceis dos nossos filhos”. Crescer nunca é um processo totalmente tranquilo e o amor é um ingrediente poderoso. Tem altos e baixos, alegrias e tristezas, abraços e chamadas de atenção, recuos e avanços. É preciso espaço e estar ali em qualquer momento, para o que der e vier. “O facto de não deixarmos os filhos crescerem torna-os adultos inseguros, frágeis e incapazes de agir perante um ‘não’ ou uma adversidade”, avisa.

As regras são um condimento fundamental. Crescer com liberdade vigiada, com responsabilidade, com conquistas à medida que se demonstra ter maturidade. “É importante também saber ouvi-los e ajudar a transformar os seus dilemas, dando nome aos sentimentos: ‘Percebo, essa atitude do teu amigo faz-te sentir triste’,por exemplo. Sem julgar, sem acusar, sem resolver, sem grandes discursos. Trata-se apenas de os ajudar a dar nome e forma àquilo que sentem.”

Em seu entender, na gestão emocional do crescimento, pais e filhos devem sempre ter sempre em conta a escuta ativa, a partilha de opiniões, a troca de papéis, “conseguir estar no sapato do outro, sem gritos, sem discussões, sem castigos, mas com regras bem definidas de respeito e firmeza. Eles gostam e precisam dessa segurança da nossa parte”.

Depois, há muitas dúvidas, muitas perguntas, questões à procura de respostas. Qual a idade certa para dar um telemóvel a um filho? Qual a idade em que podem sair da escola à hora de almoço? Qual a idade para sair à noite e até que horas? “Para mim, depende mais da maturidade do que da idade”, reforça.

Os medos dos pais não desaparecem com um estalar de dedos e gerir várias emoções, aqueles receios de que os perigos estão sempre à espreita, não é tarefa fácil. Há respostas que podem ser dadas aos filhos, como por exemplo: “És um menino responsável e consegues tomar conta de ti. Mas, sabes, também já fui criança, e é muito fácil no meio da conversa e da boa disposição cometermos alguns excessos, que nos podem fazer não pensar da forma mais correta”. É preciso não esquecer que liberdade, autonomia e independência são valores que se conquistam ao longo da vida. Crescer é ganhar asas. E ganhar asas é uma caminhada de pais e filhos. Se possível, feita de mãos dadas.

CONSELHOS

• Conversar, debater ideias, mostrar que não há apenas uma verdade, admitir erros, perceber que há pedidos e comportamentos inadequados a determinadas circunstâncias e contextos.
• Respeitar a autonomia, compreender os sentimentos dos outros, desenvolver a empatia.
• Jogo de cintura. Os pais não podem ser arrogantes. Os filhos não podem vitimizar-se.
• Alertar para eventuais riscos e perigos, não agitar papões.
• Não julgar, não acusar, falar, apresentar argumentos, analisar opções, chegar a consensos.
• Manter a privacidade e a intimidade de pais e filhos.
• Transformar dilemas, dar nomes aos sentimentos.
• Liberdade com responsabilidade de forma gradual, controlada, segura.
• Estabelecer regras e limites.
• Deixar cair para aprender a levantar.