Rui Cardoso Martins

O meu filho doente

Ilustração: João Vasco Correia

O meu filho era bom aluno, muito inteligente, disse a mãe. Mas passaram cinquenta anos e a velha senhora explica que agora é bom que o filho não passe o dia a subir e a descer no elevador do prédio. Eu nunca tinha visto juntar tantas competências, grau de sofrimento e explicação científica: mãe, vítima e médica especialista na doença do filho. Um dia, Manuel fechou a mãe no quarto, exigindo-lhe que lhe devolvesse a herança do avô.

– Tens que me dar imediatamente o que me roubaste, ladra.

Chegou a manhã e foram ao banco, onde Manuel acabou detido e internado à força. No tribunal, Manuel estava silencioso num sobretudo azul, a face cinzenta, o cabelo no ar como um maestro no pico de um andamento allegro. O juiz leu-lhe a acusação.

– Para começar, sou um homem de bem. Estou profundamente arrependido das coisas que aí estão. Não são sempre bem pintadas… as coisas estão um pouco exageradas. Mas eu estava sob o efeito de substâncias perigosas! Eu amo a minha mãe, amo-a profundamente, era incapaz de lhe fazer mal.

– Estava sob efeito de estupefacientes?

– Não eram estupefacientes, eram cocaína e haxixe, que são estimulantes para mim.

-Então era preciso definir bem o que é que o senhor entende por estupefaciente. Mas continue.

– Desde pequeno que tenho um bom cálculo mental e conseguia gerir bem o meu dinheiro. Posso ter pedido dinheiro à minha mãe uma vez ou duas, não mais. Só que nessa noite eu estava sob o efeito de substâncias perigosíssimas! Devem ter-me dado uma cocaína misturada com qualquer coisa para aumentar a quantidade.

-Ficou exaltado.

– Exaltado. Eu estava com uma ideia, uma história que me tinham contado e que pensei que era verdade. Disse montes de coisas que não penso, que me saíram da boca para fora.

Alguém, ou uma voz dentro da sua cabeça, disse a Manuel que o avô que morreu em Angola, oito anos antes de ele nascer, lhe deixara o equivalente a 750 mil euros, que a mãe roubou.

– No banco, eu disse: “Faça-me aí a transferência para a minha conta”. E a funcionária olhou para a minha mãe e esta disse que não. E eu: “Oh, mas tinhas dito que sim!”, e fiquei exaltadíssimo e disse coisas…

Mostram-lhe imagem do filme de segurança do banco. Ali está ele, na fotografia, a puxar a mala da mãe.

– Está a reconhecer-se?

– Sim, estava fora de mim.

– Presentemente está em tratamento.

– Continuo em tratamento. É injectável, uma vez por mês.

O médico que o segue em Santa Maria diz que está melhor, está melhor. Vai todas as manhãs para uma associação que trata de casos semelhantes. Tem actividades de concentração e memória.

– Oficialmente, tenho o 12.º ano. Estive na universidade, mas desisti de Direito. Foi a pior asneira que fiz na vida.

O resto dos anos nisto. Insultar a mãe, amor da sua existência.

– Não lhe chamei cabra, penso eu.

– A malfadada coca estava adulterada, pronto, disse o juiz.

– Eu penso que sim. Para ter esta atitude…

Chegou a mãe, de bengala.

– Sendo mãe do senhor Manuel, não é obrigada a depor.

Quis falar. O juiz perguntou se desejava que o filho saísse.

– Não. O constrangimento pode ser mais dele do que meu.

– A senhora é psiquiatra.

– Sou.

O juiz, a meio, pediu-lhe autorização para responder também em termos médicos. O filho Manuel foi dado, numa avaliação da esquizofrenia, como “imputável com atenuantes”.

– De vez em quando ele tinha essas crises. Foi-lhe dada a ideia de que teria herdado uma fortuna do avô. Ele imagina, pensa que lhe foi deixada uma herança. É uma espécie de um delírio. Imagina que o dinheiro que eu tenho e uso é dinheiro que lhe pertence. De vez em quando surge esse pensamento como uma convicção. Isso agrava-se quando toma alguma coisa. Porque há aí indivíduos que se aproveitam destas pessoas. Ele diz que tem um amor incondicional por mim. Passada meia hora, é malcriado.

– Quer mantê-lo na sua residência?

– Ele não tem para onde ir. Ninguém está para aturar isto.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)