Flores no prato pela beleza e pelos sabores

Texto de Sara Dias Oliveira

A cozinha contemporânea que investe numa costela mais naturalista descobriu nas flores um forte elemento decorativo no prato e uma rica fonte de paladares.

O sabor picante dos nastúrcios, mais conhecidos como capuchinhas, cai bem em pratos salgados ou em sobremesas que pedem esse toque mais condimentado. A flor de mel, repleta de pequenas flores, também encaixa em todos os tipos de prato, doces ou salgados, pelo aroma intenso a mel e um sabor que se assemelha à couve.

Há um mundo de possibilidades. Os amores-perfeitos, sem um sabor muito característico, ficam bem em gelatinas, canapés e no sushi. Pétalas de rosas em cubos de gelo dão um visual bonito a um cocktail e uma flor de alho é um substituto mais elegante do dente desse tempero.

Cruas ou cozinhadas, temperadas ou sem pozinhos, elas estão para ficar na gastronomia. O interesse dos cozinheiros pelos seus paladares e texturas aumenta e as flores comestíveis tornaram-se um negócio em franco crescimento.

O chef Pedro Lemos, do restaurante homónimo na Foz do Douro, Porto, usa flores nos seus pratos. Capuchinhas num salmonete, infusão de alfazema num doce de pastelaria. “Quando se começou a introduzir as flores na cozinha, havia uma grande preocupação na parte estética”, recorda. Não é o seu caso e as coisas mudaram entretanto.

As flores são um ingrediente que trabalha como um tempero com grande potencial. Ora mais floral, ora mais picante. Ora mais frutado, ora mais salgado. Ora mais adocicado, ora mais aveludado. Mais amargo ou mais doce. São as propriedades organoléticas das flores que realmente interessam a este chef com estrela Michelin. As capacidades que impressionam os sentidos. Os cheiros, as texturas, os sabores. “É como um buquê e devemos tratar cada flor à sua maneira”, diz Pedro Lemos.

A cereja no topo do bolo

Fábio Soares planta flores comestíveis nas suas estufas em Gafanha de Aquém, Ílhavo, há ano e meio, depois de ter criado a marca Terra d’Avó nos terrenos da sua avó, Rosa Ribeiro, e com o slogan “da terra para o prato”. Capuchinhas, amores-perfeitos, flores de mel, begónias, flores de manjericão, flores de alho, alegrias da casa. Agricultura biológica, sem qualquer químico.

“A flor é como a cereja no topo do bolo, dá aquele toque final, acrescenta beleza que todos associam às flores”, destaca. “As flores são a mulher do mundo vegetal.”

Mas não é só a beleza que importa no prato: “É como ingrediente que as flores devem ser usadas”. Por isso, Fábio não pára de pesquisar, estudar, analisar. Perceber o que as flores têm para dar à gastronomia. As begónias são ácidas como a casca de uma maçã verde e casam bem com pratos gordos porque ajudam a equilibrar.

As alegrias da casa têm um aroma floral e um sabor leve, indicado para salgados, sobremesas e cocktails. As capuchinhas possuem um sabor picante, parecido ao do rabanete ou do agrião, e podem ser recheadas com creme “fraîche” e cebolinho, fritas em tempura e servidas como entrada. “As flores acrescentam textura 3D ao prato, sabor, cheiros”, garante.

As flores dão muito trabalho. Fábio Soares, 29 anos, informático numa empresa de aconselhamento financeiro durante as manhãs e agricultor de flores, micro legumes e germinados no resto do tempo, explica o processo. Plantar a semente, esperar três, quatro, cinco ou seis meses para que a planta cresça e mais algum tempo até que dê flor. Durante esse período, até à colheita, é necessário afastar toda a bicharada nociva sem usar um único químico. “As flores atraem muitas pragas”, refere. Depois, é preciso colher à unha e com o máximo cuidado, uma a uma. “Se pisam, estragam-se logo.”

As flores da Terra d’Avó são entregues diretamente em vários restaurantes de Aveiro e, através de uma distribuidora, chegam ao Porto, Viseu, Coimbra, Bragança, e, por vezes, a Lisboa. São cerca de 20 clientes e encomendas todas as semanas.

Fábio Soares garante que este é um negócio em franca expansão. Tanto assim que este ano vai alargar a produção e plantar rosas de várias cores e cheiros, cravos chineses com sabor adocicado, tagetes de cheiro, e ainda mais variedades de flores de mel e mais amores-perfeitos com outras cores. Para cozinhas de restaurantes, bares e cake design.

“A tendência é para crescer. Existe um mercado muito grande”, adianta. Fábio Soares continua à procura de novos produtos e a tentar entender os mistérios das flores, nomeadamente o seu tempo de conservação que ronda, habitualmente, os dois, três dias. Mas há flores que duram mais. As estufas da Terra d’Avó têm espaço para flores que saltam à vista em pratos doces ou salgados. E em cocktails também.