A idade, os erros genéticos que acontecem durante a divisão celular, os fatores ambientais, fazem parte da lista dos responsáveis por patologias difíceis de compreender. As doenças menos comuns não são apenas detetadas no início da vida.
As doenças raras, tanto nas crianças como nos adultos, são numerosas e variadas. Podem surgir numa fase precoce ou já avançada e podem ser curáveis ou incuráveis. Muitas das doenças raras da infância estão relacionadas com síndromes genéticas e outras doenças congénitas. Passando essa fase, estas doenças tornam-se mais raras, mas, mesmo assim, podem surgir já na idade adulta. Portugal tem cerca de 600 mil pessoas com doenças raras, cerca de 30% são adultos.
Há patologias que formam um puzzle ao longo da vida e que são compreendidas como doença genética já numa idade adulta – as doenças auto inflamatórias são disso um exemplo. O que acontece é que a alteração genética e o quadro clínico da doença, dependendo do tipo de mutação e dos genes e também dos fatores ambientais ao longo da vida, podem agravar ou aliviar as manifestações dessas maleitas.
“No adulto, surgem as doenças que aumentam a incidência com a idade por acumulação de erros genéticos durante as divisões celulares, como acontece nos cancros, ou as doenças degenerativas resultantes da alteração da composição das membranas celulares, acumulação de produtos tóxicos do metabolismo ou por razões desconhecidas, como são o caso das doenças raras do sistema nervoso central e do sistema imunitário”, adianta à NM Herlander Marques, médico do serviço de Oncologia do Hospital de Braga e investigador do Centro Clínico Académico de Braga e Cintesis.
Luís Brito Avô, internista e coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, refere à NM que “dos cerca de 20% de doenças raras sem causa genética, várias são mais características de idades mais avançadas, como algumas doenças degenerativas, reumatológicas ou formas de cancro raro.”
Na União Europeia, uma doença é considerada rara quando afeta menos de cinco em cada dez mil pessoas
Muitas doenças oncológicas, incluindo a maioria das doenças malignas do sangue, como as leucemias agudas, leucemias crónicas, os subtipos de linfomas de Hodgkin e não-Hodgkin, e os mielomas múltiplos, são doenças raras. Outros grupos de patologias, como as doenças degenerativas do sistema nervoso, e as doenças do sistema imunológico têm também centenas de doenças raras.
Das cerca de 7 000 doenças raras já identificadas, 80% têm causa genética, e 60% são expressas na infância e adolescência. “Este grupo maioritário que é detetado precocemente corresponde geralmente a formas mais graves e com elevada mortalidade infantil. No entanto, cerca de 30% destes pacientes atingem a idade adulta, apresentando geralmente formas atenuadas das doenças”, revela Luís Brito Avô.
Há também as doenças raras não compreendidas e o atraso na sua identificação pode demorar décadas. Há várias causas para que assim seja. Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, isso acontece por “iliteracia sanitária da comunidade, por desconhecimento médico, por ainda haver pouca centralização das estruturas de saúde.” “As áreas cobertas por centros de referência são ainda insuficientes, a existência de testes de diagnóstico conclusivos ainda ocorre em cerca de 3 600 das 7 000 doenças raras e os mecanismos de referenciação ainda não estão amadurecidos”, acrescenta o especialista.
“O termo ‘doença órfã’ é utilizado quando se pretende enfatizar que, devido à raridade da doença, não há interesse comercial no desenvolvimento de novos tratamentos (por falta de mercado que justifique o investimento)”, explica Herlander Marques
O tratamento está sobretudo relacionado com o tipo de doença e, no caso do cancro, com a extensão e estádio. De qualquer forma, sabe-se que para a mesma doença, e para os mesmos estádios, o prognóstico é pior para os adultos e ainda pior para os idosos. Por três razões. Herlander Marques explica-as.
“Os órgãos dos idosos já não suportam doses tão altas de quimioterapia ou alteram a farmacocinética dos agentes antineoplásicos, apresentando mais toxicidade. Os idosos apresentam disfunções orgânicas que impedem a utilização de determinadas famílias de fármacos eficazes ou obrigam a redução de dose. As próprias características intrínsecas da doença (como as alterações genéticas dos tumores) parecem ser piores nos doentes adultos que do nos jovens.”
Mesmo assim, muitas doenças oncológicas do adulto e do idoso podem ser curáveis, como o linfoma de Hodgkin e alguns linfomas não-Hodgkin e algumas leucemias agudas, mesmo em fases avançadas. “Neste contexto, tem sido relevante o avanço nos tratamentos com o aparecimento de terapias biológicas (como os anticorpos monoclonais) menos tóxicos que os citotóxicos convencionais”, sublinha o oncologista.
No entanto, muitas doenças raras não têm cura e há poucos tratamentos disponíveis. “Nestes casos deve fazer-se um esforço para um diagnóstico mais precoce e para a investigação e desenvolvimento de novos tratamentos, de forma a conseguir-se a melhoria da qualidade de vida e o aumento da sobrevivência dos doentes”, acrescenta.
Apenas cerca de 1% de todas as doenças raras têm tratamentos eficazes disponíveis
Na Europa, há cerca de 700 rastreios ativos para as doenças raras. “Entre nós, algumas áreas têm rastreios consistentes, particularmente dos doentes que estão sujeitos a tratamentos com medicamentos órfãos, que estão todos integrados em registos”, diz Luís Brito Avô. Há um registo oncológico nacional, com os casos de cancros raros, mas não existe ainda um registo nacional de doenças raras, promessa da Estratégia Integrada para as Doenças Raras do Ministério da Saúde, que assenta, nesta fase inicial, na emissão do Cartão de Portador de Doença Rara, como fonte para formar uma base de dados.
Até 2017, foram emitidos 2 703 cartões, identificando 427 doenças de pessoas de todas as idades. “Como se estima que existam em Portugal cerca de 600 mil pessoas com doença rara, e admitindo que cerca de 30% possam ser adultos, percebe-se o longo caminho que ainda há a percorrer”, alerta Luís Brito Avô. “O que acontece, como se pode perceber, é que existem rastreios dirigidos a áreas específicas, alguns para idade adulta, sem existir uma plataforma comum reunificadora de toda essa informação”, remata.