SOS Voz Amiga a escutar há 40 anos

Texto Sofia Teixeira | Fotografias Pedro Rocha/Global Imagens

A voz de Isabel Pereira é calma e clara. As palavras são bem articuladas e, nota­‑se, cuidadosamente escolhidas. Nunca interrompe uma pergunta e, quando responde, há quase sempre um sorriso na voz.

É voluntária do serviço SOS Voz Amiga há três anos e, tal como os outros dezassete atuais voluntários, faz três turnos de quatro horas por mês. Durante essas doze horas a gestora, de 53 anos, explica que o que faz é sobretudo escutar. «É para isso que estamos ali, para ouvir o outro, sem julgamentos, para tentar acompanhá­‑lo no seu sofrimento de forma a aliviá­‑lo.»

«Há um provérbio árabe que demonstra na perfeição a razão da existência dos telefones de ajuda: “O que não conseguires contar ao teu melhor amigo, conta ao viajante na estalagem”», lembra Francisco Paulino, 65 anos, atual presidente do SOS Voz Amiga (SVA).

Entregou o seu formulário de inscrição para voluntário em outubro de 1997 e, desde aí, não voltou a deixar a associação: foi voluntário no atendimento, coordenador de voluntários e fez parte das equipas de formação da associação à qual preside desde 2014.

A linha, além de ser a mais antiga do país, é a única membro associado da Ifotes (International Federation of Telephonic Emergency Services), cujas regras de orientação se obrigam a cumprir: «Duplo anonimato [do apelante e do voluntário], confidencialidade das chamadas, ausência de preconceitos; não dar conselhos nem ser diretivo e não fazer juízos de valor. Quem liga pode esperar empatia, compreensão, espaço temporal e emocional para desabafar, companhia e apoio para aqueles momentos de partilha», esclarece o presidente.

Ao longo destes quarenta anos receberam cerca de 250 mil chamadas. Durante algum tempo o atendimento funcionou todos os dias entre as 12h00 e as 24h00, e ainda das 00h00 às 07h00, nas madrugadas de sexta, sábado e domingo.

«As palavras que usamos são importantes, podem ajudar ou piorar a situação. É preciso ter muito cuidado a escolhê-las», diz Isabel.

Eram tempos em que os cinquenta voluntários disponíveis o tornavam possível, o que resultava em totais de chamadas que alcançava as 14 mil por ano. Nos últimos sete anos, são apenas três mil por ano. Não porque a necessidade seja menor, mas porque o decréscimo do número de voluntários os obrigou a encurtar o período de atendimento – apenas das 16h00 às 24h00.

Quem liga fora desse horário quer muito falar, mas pode apenas ouvir uma mensagem gravada que informa: «De momento não é possível atender a sua chamada, pois estamos fora do horário de funcionamento. Por favor contacte­‑nos noutra altura.»

Era importante que estivesse alguém do outro lado a atender estas chamadas. Mas, por vezes, nem durante o período das 16h00 às 24h00 está: com pesar, não conseguem cumprir todos os turnos, por falta de pessoal voluntário. «Iniciámos uma campanha de captação de novos voluntários em fevereiro e estamos na fase das entrevistas. Dentro de algum tempo teremos os trinta voluntários necessários para assegurar o atual horário e, quem sabe, para poder alargar para mais um turno diário», diz Francisco Paulino.

As características que procuram nos potenciais voluntários são «maturidade, disponibilidade psicológica, estabilidade e capacidade empática».

Apesar disso, nada é ainda garantido. As inscrições são muitas após as campanhas de angariação, mas a maioria fica pelo caminho, seja porque há um «impulso emotivo, quando anunciamos a nossa necessidade de voluntários e depois um arrefecimento gradual seja por desconhecimento, na altura da inscrição, das exigências em termos de carga horária, seja por imprevistos pessoais no decorrer do processo».

Por outro lado, muitas vezes constata­‑se, durante a entrevista individual, que a estrutura emocional do candidato não é adequada. «Este serviço causa um grande desgaste emocional e nem todos estão preparados para o enfrentar», conta Francisco Paulino. As características que procuram nos potenciais voluntários são «maturidade, disponibilidade psicológica, estabilidade e capacidade empática».

Atender chamadas de um telefone de ajuda é um trabalho sem rede. Nunca se sabe que tipo de telefonema vai chegar. Pode ser uma chamada que dura dez minutos, vinda de alguém que esteve sozinho o dia inteiro e quer ouvir um «boa noite» antes de se deitar. Ou pode ser alguém numa situação de precipício – em sentido figurado ou literal ­–, que já fez várias tentativas de suicídio ou que está com uma em curso, num telefonema que dura duas horas.

Isabel Pereira lembra­‑se bem da primeira chamada que atendeu, há três anos. «Era uma senhora de meia­‑idade que ligou para dizer que tinha decidido suicidar­‑se e estava apenas à espera do aniversário, em maio, para o fazer.»

Quem liga sabe que do outro lado não está um profissional, mas «apenas» outra pessoa. Uma voz amiga.

Independentemente do problema, não são indicadas soluções aos apelantes. A escuta pode ser passiva ou ativa, mas sempre que intervém o voluntário precisa de ter presente a responsabilidade que tem nas mãos. «As palavras que usamos são importantes, podem ajudar ou piorar a situação. É preciso ter muito cuidado a escolhê­‑las», diz Isabel.

Apesar da formação inicial que os voluntários recebem, a linha é de apoio emocional não especializado. Ou seja: a maioria dos voluntários não tem formação académica na área da saúde mental. Nem se pretende que tenha: é um serviço prestado por pares e esse é o seu trunfo. Quem liga sabe que do outro lado não está um profissional, mas «apenas» outra pessoa. Uma voz amiga.

«Estou ali com toda a disponibilidade, boa vontade e tento dar o melhor de mim. Tenho cuidado com as minhas palavras, mas tento ser eu. Sou eu. É isso que se pretende, que sejamos nós próprios. Estou ali com amor e com o melhor de mim.»

O psiquiatra Marco Paulino, chefe do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospital Lisboa Norte, que está ligado ao SOS Voz Amiga desde 1984 – primeiro como técnico e, agora, como membro do órgão consultivo no domínio técnico e científico –, acredita que os telefones de ajuda são importantes recursos de saúde mental para as pessoas em sofrimento.

E entende que um dos pontos fortes do serviço, além de o voluntário ser um desconhecido, é que seja um igual: «Na medida em que não é um profissional e não tem qualquer possibilidade de intervenção fora da relação estabelecida ao telefone.»

Há, acredita, uma dupla vantagem: «Estruturar um serviço de ajuda especializado feito por não profissionais, complementar dos serviços de ajuda profissionais, e, por outro lado, aumentar na sociedade o número de pessoas que têm formação e experiência de ajudar.»

Entre os apelantes que ligam, as pessoas em alto risco de suicídio, não sendo a situa­ção mais frequente, surgem com uma frequência, ainda assim, expressiva: um pouco menos de dez por cento das chamadas.

Poder­‑se­‑á perguntar em que medida uma linha de apoio com voluntários não especializados na área da saúde mental pode fazer frente a estas situações, mas os telefones de ajuda, lembra o psiquiatra Marco Paulino, surgem intimamente ligados à prevenção do suicídio: tentam precisamente diminuir o isolamento das pessoas em risco oferecendo alguém que está disponível para escutar.

«Os sentimentos, geralmente contraditórios, de querer morrer e querer viver, de não ser capaz de viver e não ser capaz de morrer, podem ser partilhados. E esta possibilidade de estabelecer uma ponte com outra pessoa, este reavivar de sentimentos de partilha, de solidariedade, permite, algumas vezes, ultrapassar ou adiar a situação aguda de risco de suicídio.»

Números SOS Voz Amiga: 213544545 / 912802669 / 963524660
(Diariamente das 16h00 às 24h00)

Linha Verde gratuita: 800209899
(Entre as 21h00 e as 24h00)