Os Azeitonas depois de Miguel Araújo

Texto Sara Dias Oliveira | Fotografias Igor Martins/Global Imagens

Amanhã de manhã estarão os três sentados numa carrinha em direção a sul, ao Algarve, para um concerto em Lagoa. Estão habituados à estrada, têm milhares de quilómetros de viagens no corpo, centenas de concertos na pele. São quase dezasseis anos de vida em comum numa banda de amigos.

No Bonaparte, mítico bar na Foz, no Porto, um pub de estilo irlandês meticulosamente decorado com objetos colecionados por um antiquário e viajante, combina­‑se a hora de saída, recorda­‑se o passado e fala­‑se do presente. Numa das mesas de madeira, neste bar frente à praia, conversa­‑se descontraidamente num dia de sol.

Os Azeitonas são rijos e não cruzaram os braços depois da saída do músico e compositor Miguel Araújo. O vocalista Mário Marlon Brandão, a vocalista Luísa Nena Barbosa e o vocalista e teclista João Salsa Salcedo encheram o peito de ar, recuperaram o fôlego, voltaram aos ensaios nas traseiras de um anexo e ali, pela Foz, partilharam ideias e criaram novas músicas.

O resultado é conhecido na próxima sexta­‑feira. Banda Sonora é o quinto álbum de originais da banda do Porto. E o primeiro sem Miguel Araújo na composição. Uma jovem vistosa, um jovem garboso, uma estudante de Direito e um caixa­‑de­‑óculos são as personagens do novo disco. As músicas interligam­‑se como num drama. Final feliz ou infeliz? É preciso ouvir.

Banda Sonora é uma panóplia de estilos. «O CD é um bocado esquizofrénico, tem pop, eletrónica, bolero, rock. Gosto desta variação, músicas muito parecidas não têm piada», comenta Nena, a vocalista, veterinária quando o tempo lhe permite, que anda aprender a tocar guitarra e ukulele. «Não vamos dar à malta aquilo de que a malta está à espera», acrescenta Salsa, formado em Jazz, que gosta de ler, de jogar xadrez e de mergulhar no infindável mundo dos computadores.

Os Azeitonas passaram de quarteto a trio e lançam Banda Sonora. João Salsa, Marlon Brandão e Luísa Nena estão prontos para se fazer à estrada

E Marlon, designer gráfico e responsável pela imagem da banda, surfista nas horas vagas, cozinheiro por gosto e apaixonado por cinema, garante que os próximos concertos ao vivo não serão uma réplica do disco. Arranjos diferentes, onze músicos em palco. A máquina está oleada, o espetáculo preparado, as músicas do novo disco prontas a entrar no alinhamento. «Estar em ponto morto não tem piada.» Palavras do vocalista Marlon.

Depois de quase quinze anos juntos, Miguel Araújo saiu da banda. Uma saída tranquila, pensada, amadurecida. A despedida pública aconteceu num concerto de passagem de ano de 2016 para 2017, na Avenida dos Aliados, no Porto. Mas a ligação mantém­‑se de várias formas. «O Miguel não parava um minuto, a esse ritmo não aguentava», recorda Nena. «Foi um bocado inevitável», diz Marlon. «Não foi um anúncio, foi tudo falado na boa, tivemos tempo para ponderar várias hipóteses, fazer uma pausa, fazer pequenos concertos. Foi tudo tranquilo», conta Salsa.

A falta de tempo e a indisponibilidade crónica explicam a saída de Miguel Araújo que passou a dedicar­‑se à carreira a solo. O músico revela o que aconteceu. «Com tantos concertos meus e da banda, eu estava a ficar sem vida, sem saúde, sem vitalidade.

Chegou a um ponto em que se tornou impossível. Além disso, foram muitas, demasiadas, as vezes em que Os Azeitonas se viram impedidos de aceitar convites para concertos por indisponibilidade minha, por já ter concertos meus marcados. Não foi difícil porque não havia alternativa, foi natural, foi um alívio para mim e para a banda.»

Arriscar e manter a coerência

A banda decidiu continuar o caminho sem uma peça importante. Salsa exemplifica. «Na linha de montagem, a música começava com o Miguel e a construção da canção passava por todos nós. E a linha de montagem, de repente, perdeu uma máquina.» As dúvidas instalaram­‑se.

Será que teriam estofo para compor músicas? Será que valia a pena continuar? Arriscar ou não arriscar? A necessidade aguça o engenho e o trio deitou mãos à obra. «Foi um exercício, um processo de aprendizagem para todos nós. Queríamos músicas orgânicas», lembra Marlon. «Já tínhamos algumas ideias e foi uma aventura», acrescenta Salsa. A composição tornou­‑se um processo a três e a dinâmica mudou sem Miguel Araújo.

Arriscaram mais, sentem que soam mais a banda, e fizeram questão de manter a coerência. A banda é, no fundo, a mesma, com liberdade para testar tudo. Liberdade para arriscar. Liberdade para falhar. Sempre em português. «Não fazia sentido cantar noutra língua», comenta Nena. Miguel Araújo continua por perto, atento, a ver os concertos. Visitou­‑os no estúdio durante as últimas gravações, fez uma música para o novo álbum.

«Nunca fizemos muitos planos e fomos crescendo devagarinho.» Com trezentos mil fãs oficiais e cinco discos, dizem estar a fazer caminho. Agora a três.

«O disco novo tem músicas ótimas, e esse é sempre um bom caminho. Fazer o que se quer da música, quando se quer e como se quer, como sempre foi (e continua a ser) com Os Azeitonas, é um enorme sucesso, é o maior sucesso de todos», garante Miguel Araújo.

Estará sempre disponível, deseja felicidades ao trio amigo sem orientações à mistura. «Desejo que continuem com a força toda com que estão agora. Conselhos meus não precisam, eles andam nisto há tanto tempo como eu, precisamente desde o mesmo segundo, começámos juntos.»

Assim foi. Em 2002, um grupo de amigos juntava­‑se para criar uma banda, uma espécie de boy band de garagem – apesar de, na altura, ter duas vozes femininas – que tocava em bares e discotecas. «Foi uma brincadeira, começámos muito amadoramente», lembra Marlon. Uma maqueta com quatro músicas caiu nas mãos de Rui Veloso que gostou da sonoridade e decidiu lançar um álbum da banda na sua nova editora, a Maria Records.

Em 2005, nasce Um Tanto ou Quanto Atarantado. E a brincadeira que Nena nunca tinha levado muito a sério começava a mudar de figura. «Achei que não ia ser nada. De repente, há um CD, de repente, quem está a produzir é Luís Jardim, de repente estamos na televisão», diz.

De repente, ouviam­‑se nas playlists das principais rádios nacionais, tinham milhares de visualizações no YouTube e duas nomeações dos MTV Europe Music Awards. De repente, concertos, casas cheias. Salsa não esquece os primeiros tempos, as horas que dedicava a ler livros de agenciamento, de produção, da azáfama de enviar jingles para as rádios de todo o país e tentar não trocar moradas. «Fomos descobrindo o que era preciso fazer.»

Bruno e o fenómeno dos aviões

Em fevereiro de 2012, Bruno Vieira entrou na Alfândega do Porto para uma audição do programa Ídolos. Não sabia muito bem o que ia cantar e tocar na sua guitarra. No seu MP3, rolavam músicas dos Azeitonas. Bruno entrou na sala, sentou­‑se no chão, e cantou e tocou Anda Comigo Ver os Aviões, a última música que tocava no seu MP3. A canção entrou nos ouvidos do júri.

Pedro Abrunhosa deu­‑lhe os parabéns pela interpretação de «uma das mais belas canções do cancioneiro nacional dos últimos anos.» Tony Carreira não conhecia a melodia, desconhecia se era ou não um sucesso, chamou­‑lhe «uma canção linda». Bárbara Guimarães ficou rendida à prestação do concorrente. Manuel Moura dos Santos, tal como os restantes elementos do júri, deu­‑lhe um sim sem grandes comentários.

Miguel Araújo (à direita) saiu dos Azeitonas há quase ano e meio, mas continua a acompanhar os amigos e compôs uma música para o novo álbum.

A música entranhou­‑se nos ouvidos do país ainda afastado do boom do YouTube e das maravilhas do Spotify. Bruno já tinha ido a concertos dos Azeitonas, gostava da banda, estava cansado de tocar músicas de quatro acordes, iguais do princípio ao fim, como fazia no conservatório de música.

Tinha 16 anos, estudava teatro, trabalhava e vivia sozinho no Porto há um ano. Gostava da banda da Foz. «Tem o lado pop engraçado, comercial, e ao mesmo tempo, o lado erudito, progressões rítmicas estruturadas, acordes e arranjos bem trabalhados», diz. Três meses depois, com um convite da banda, estava na Queima das Fitas do Porto e, de repente, Miguel Araújo chama­‑o ao palco para cantar os aviões.

Acompanhou concertos, voltou a subir ao palco, mas não quer carregar a responsabilidade do fenómeno de popularidade da canção dos aviões. A música não é sua, mas sabe que depois daquele momento do Ídolos, e embora não tenha chegado às galas finais do programa, alguma coisa mudou. Os Azeitonas tiveram dois anos de agenda cheia. Agora aguardam pelo próximo disco. «Vamos lá ver. Sempre subiram a fasquia em tudo o que fizeram. A fasquia está demasiado elevada.»

[Sobre a saída de Miguel Araújo] «o miguel não parava um minuto», lembra Nena. «Foi inevitável», diz Marlon. «foi tudo falado na boa, tivemos tempo. Foi tranquilo», conta Salsa.

Pouco depois do Ídolos, Miguel Araújo estava na Rádio Comercial a tocar e a cantar uma adaptação da música feita por Vasco Palmeirim com o nome Anda Comigo Ver as Promoções. Os aviões andavam por todo o lado. A música do álbum Salão América, de 2009, não mais saiu do alinhamento da banda – mesmo que quisesse, o público não deixava.

Miguel Araújo, autor da música, adora a canção, também a canta nos seus concertos, e admite que os quatro minutos de Bruno Vieira no Ídolos mudaram muita coisa. «São coisas inexplicáveis que acontecem. Tudo mudou, sim. À pala desse êxito tivemos uma quantidade de concertos que não tínhamos até então.

A banda foi descoberta através dessa música.» «Mas o certo é que a banda já tinha envergadura e estrutura para se aguentar à bronca, o pessoal vinha ver os concertos e gostava do espetáculo todo, não ficava de braços cruzados à espera dessa música», conta. Foram­‑se habituando a esses fenómenos, das músicas que se tornam êxitos algum tempo depois de serem lançadas.

Já tinha acontecido com Quem És Tu Miúda, o primeiro sucesso radiofónico. «As nossas músicas tiveram sempre um efeito tardio», diz Marlon. Nada que incomode. «Nunca fizemos muitos planos e fomos crescendo devagarinho.» Álbuns, concertos, as mais importantes salas do país, coliseus esgotados, queimas das fitas, concertos de verão, auditórios com teto, palcos ao ar livre. Hoje têm trezentos mil fãs oficiais e cinco discos no currículo. «Estamos a fazer o nosso caminho e demos um passo em frente», diz o vocalista Marlon.

Banda Sonora é o mais recente álbum do grupo do Porto e que tem como convidados Miguel Araújo, Tatanka e André Indiana.

Os clichés do pop e do rock

Uma coisa ficou as­sente desde o início. Enquanto fosse divertido, a banda continuaria. E continua. O nome ins­pi­rou­‑se na pirosice, nos azeiteiros, na linha ténue que separa o bom do mau. Com uma ironia que quis explorar clichés do pop e do rock. E as­sim nasceram os Azeitonas, em 2002.

Banda Sonora é o mais recente álbum do grupo do Porto com os convidados Miguel Araújo, Tatanka e André Indiana. Efeito Observador é o último single, disponível em todas as plataformas digitais e com videoclip no YouTube – Cinegirassol, Fundo de Garrafa e Não Há Di­reito são os restantes singles já lançados.

No novo álbum está também Xixi Cama que a banda estreou na rubrica homónima na Rádio Comercial em fevereiro do ano passado. A história deste quarteto que se tornou trio continua a ser escrita dia após dia. A 3 de agosto, estarão na Expofacic em Cantanhede e a 5 de outubro no Centro de Artes e Espetáculos São Mamede em Guimarães. E do Brasil chovem perguntas de quando o país entrará na roda da banda. Talvez um dia.