Texto de Catarina Fernandes Martins | Fotografias de Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Quando tive o cancro na mama esquerda, em 1989, perguntei ao médico quanto tempo tinha para viver. O cancro tinha muitas metástases, estava complicado. Ele disse: «Dois ou três anos.» Despedi‑me do Diário de Notícias e disse ao meu marido: «Vão ser os melhores anos das nossas vidas.»
Nunca fizemos do cancro um drama, a questão foi sempre aguentar. Não me lembro de alguma vez ter chorado sobre isso. A minha amiga Manuela Maria dizia sempre assim: «Não me apetece nada morrer.» E acho que isso é importante para a evolução da doença. Tive sempre essa atitude.
Quando o médico me mandou para o IPO para ser operada, perguntou‑me: «Como vamos dizer isto ao seu marido?» O médico sabia que a mim me podiam dizer tudo, mas tinha receio da reação dele.
Fui operada num dia 14 de fevereiro e eu e o meu marido íamos sempre almoçar ou jantar nesse dia. Ele oferecia‑me sempre uma caneta por ter passado mais um ano.
O meu marido apoiou‑me sempre. De forma inquestionável. Eu viajei, trabalhei muito e ele aguentava a casa e os filhos. Nunca senti rejeição da parte dele, nem mesmo física.
Fui operada no dia 14 de fevereiro e nós íamos sempre almoçar ou jantar nesse dia. Não estávamos a comemorar o Dia dos Namorados porque nunca fomos dessas coisas, mas ele oferecia‑me sempre uma caneta por ter passado mais um ano. Ano após ano fui percebendo que o diagnóstico inicial estava errado. Recebi 13 canetas, até à morte do meu marido.
Tenho 74 anos, sou vista de três em três meses e ao primeiro sinal marcho logo para lá. Sou doente crónica do IPO.
Há seis anos comecei com dores no osso esterno e o meu oncologista disse de imediato: «Já para o IPO.» Há vinte anos, as técnicas não estavam tão evoluídas como estão hoje e acontece a algumas pessoas que a rádio acumulada durante os tratamentos acaba por potenciar tumores. Sendo no esterno, não são operáveis.
Tenho 74 anos, sou vista de três em três meses e ao primeiro sinal marcho logo para lá. Sou doente crónica do IPO. No primeiro andar tenho a oncologia, no segundo andar tenho a psicóloga. Funciono em todos os andares e sou muito popular por lá. É irónico, mas se não tivesse feito os tratamentos com a rádio há vinte anos se calhar teria morrido.
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