– Estive a pensar.
– Sim? Já decidiste como queres fazer com a casa?
– Não, não é isso.
– Com a escola nova dos miúdos?
– Não, também não.
– O carro. Já sabes se queres ficar com ele ou vendemos.
– Não, não é nada disso. Estive a pensar melhor. Acho que não devíamos separar-nos.
– Como não? Já falámos disso. Já falámos disso dezenas de vezes. Centenas!
– Sim, eu sei. Mas não estou certo.
– Eu sei que não estás. Fui eu que tive de te convencer. E tu acabaste a concluir que eu tinha razão.
– Pois… mas tive uma ideia melhor.
– Então?
– Vamos ter um filho.
– Desculpa?
– Sim, vamos ter um filho. Acho que é isso que vai salvar a nossa relação.
– Estás bêbado?
– Não estou bêbado. Estou é apaixonado. Por ti, pelos nossos filhos, pela ideia de voltarmos a ter um bebé para cuidar.
– Não, tu estás é bêbado. Isso não é paixão. Paixão é outra coisa.
– Pensa bem. Isso vai unir-nos. Vamos ter de trabalhar para um objetivo comum e vamos estar juntos nas noites, nas consultas, nos exames. Vamos passar por tudo outra vez. Como uma equipa.
– Mas de onde raio desenterraste essa ideia peregrina? Nós não nos entendemos com o jantar, não chegamos a acordo com as férias, não temos sexo há mais de oito meses, tu estás sempre a viajar e quando estás em casa estamos sempre a discutir. Não concordas com nada do que eu digo em relação aos dois filhos que temos. E queres ter um terceiro?
– A sério. Isso vai o caminho ideal para o nosso casamento. Sei de casais que o fizeram e resultou.
– Primeiro, nós não somos casados. E ainda bem, só facilita as coisas neste momento complicado. Segundo, diz-me um. Diz-me um só casal que conheças que estivesse mal, prestes a separar-se, e depois de terem um filho acabasse a dar a volta e ficarem reconciliados. Diz-me um.
– Agora não me lembro, mas já ouvi falar de coisas destas.
– Olha, faz-me um favor: vamos acabar a isto a bem. E como adultos com cabeça. Não vamos dar cabo disto ainda mais. Tu não estás bem, isso deve ter uma explicação qualquer, se fizesses terapia com certeza que o teu psicólogo te chamaria a atenção. Deve ser o último estertor ou lá como chamam.
– Mas nós demo-nos bem quando nasceram os miúdos.
– O que queres dizer é que, quando eles nasceram, ainda não estávamos fartos um do outro. Mas se bem te recordas, as noites em branco, as cólicas, a dificuldade que foi dar de mamar, a privação de sono, o cansaço, as chatices no teu trabalho e no meu, tudo isso não nos fez bem. E agora queres passar por tudo outra vez, numa altura em que eu já mudei o chip para o modo separação? Tu não sabes que um filho extrema tudo, mas absolutamente tudo, entre dois adultos? Achas mesmo que conseguíamos passar por isso na fase em que estamos.
– Acho.
– Então eu volto à minha: tu estás é bêbado, se pensas isso. Pior: estás muito bêbado, se pensaste que eu ia achar isso boa ideia.
– Tive outra ideia, então: e se em vez de ter um filho, nós casássemos?
– Estás a gozar comigo?
– Não. Pensa: a festa, os amigos, o copo de água, a lua de mel, os nossos pais felizes, a tua mãe radiante porque finalmente casava a filha. Escolhes tu a igreja.
– Queres casar comigo e ainda por cima pela igreja? Uma coisa com que sempre embirraste? Esta conversa acabou.
[Publicado originalmente na edição de 26 de março de 2017]