O que é que a t­‑shirt tem?

Texto Ana Pago

Aquela manhã tinha tudo para correr mal a Mónica Costa. «Saí de casa à pressa, para me reunir com um cliente. Já ia longe quando vi a minha camisa nova cheia de papa», diz a designer, mãe de uma menina de 2 anos. «Eu ali de saia plissada, sapatos altos, em cima da hora e… de sutiã.» Teve de improvisar com o que havia no carro: a T‑shirt branca do pilates, com os dizeres «It’s always too early to quit» [«É sempre cedo demais para desistir»].

«Parecia de propósito. Julguei que nem me iam levar a sério, quanto mais fecharem o contrato do projeto!» Qual não foi o meu espanto quando, ao voltar dias depois, viu colegas a copiarem­‑lhe o modelo improvisado. «Senti­‑me audaz de verdade. Empoderada.»

E com boas razões para isso, confirma a psicóloga brasileira Danyla Borobia, consultora de estilo com foco no autoconhecimento. «As T‑shirts são tão populares e democráticas no mundo inteiro porque a mesma peça funcionará no trabalho ou em saídas à noite, dependendo da composição que se fizer.»

Continuam igualmente a ser ótimas para dormir, andar1por casa, levar para a praia ou fazer reparações, mas ninguém se iluda com o seu ar despojado: «Aqui, é sempre o conjunto total que dará o tom e a impressão com que se fica», diz a psicóloga, enumerando possíveis combinações: T‑shirts com shorts e ténis transmitem frescura; se usadas com saltos finos e um blazer passam a mensagem de mulher sofisticada que usa a moda em proveito próprio. O mesmo princípio vale para os homens.

A T-shirt é prática, cómoda, fashion, bem­‑humorada, eclética. A sua polivalência permite­‑nos ser quem quisermos

«A T‑shirt reúne múltiplas características que vão ao encontro do estado de espírito dos consumidores contemporâneos», diz Raquel Guimarães, especialista em imagem empresarial e diretora executiva da Fashion School, no Porto.

Num dia, podem querer uma camisola mais afirmativa, de logótipo marcante. Noutro, uma peça lisa e básica. Noutro ainda, algo irónico ou motivador, com um lettering engraçado (como a que Mónica levou à entrevista, apesar de não se ter sentido divertida nesse dia). «É prática, cómoda, fashion, bem­‑humorada, eclética. A sua polivalência permite­‑nos ser quem quisermos, tendo em conta as outras peças selecionadas», diz a especialista.

A T­‑shirt está hoje nas gavetas de todo o mundo mas já foi roupa interior e não se livrou facilmente do estigma. As origens remontam a uma peça de flanela de corpo inteiro com botões (union suit), inspirada na roupa interior das mulheres vitorianas, que os operários do século XIX vestiam debaixo da roupa de trabalho.

Quente e macio, a escudar a pele contra o inverno. Mais tarde, a peça única caiu em desuso a favor de calças e camisola de mangas compridas em separado. Ainda era roupa íntima, mas já se vislumbrava o contorno da atual T‑shirt. O facto de os materiais serem elásticos e dispensarem botões só a tornava mais e mais apetecível aos olhos dos homens solteiros sem jeito para a costura.

«A T‑shirt fez um passeio histórico através dos anos. Veio da obrigatoriedade de ser vestida por baixo de uniformes oficiais até movimentos de expressão e protestos em muitas décadas», diz a psicóloga Danyla Borobia.

A Marinha dos EUA passou a inclui­‑la na farda em 1905: peças de algodão lisas, a cobrir com o uniforme, a menos que os marinheiros estivessem na casa das máquinas ou o oficial autorizasse o seu uso em dias de calor. Em 1920, o escritor F. Scott Fitzgerald foi a primeira pessoa conhecida a grafar a palavra, no romance Este Lado do Paraíso, como um dos itens que a personagem Amory Blaine leva consigo para a universidade.

Por alturas da Segunda Guerra Mundial, a T‑shirt era já um must­‑have entre os jovens, embora os adultos continuassem a vê­‑la como camisola interior, desconfiados.

De resto, foi nesse contexto universitário que surgiram algumas alterações ao design, nomeadamente as golas arredondadas, depois de a Universidade do Sul da Califórnia encomendar um modelo que os jogadores de futebol pudessem usar por baixo do equipamento, de modo a protegê­‑los do atrito das proteções – escusado será dizer que a nova moda da equipa pegou como um rastilho entre todos os estudantes.

Por alturas da Segunda Guerra Mundial, a T‑shirt era já um must­‑have entre os jovens, embora os adultos continuassem a vê­‑la como camisola interior, desconfiados. Foi preciso os soldados regressarem a casa e integrarem aquela peça no guarda­‑roupa do dia-a-dia, como faziam durante a guerra, para se vencer finalmente o preconceito.

E o que é que a T‑shirt tem que veste qualquer género e idade? «Há­‑as para todos os estilos e gostos, qualquer que seja a imagem do lifestyle da pessoa», explica a stylist Sandrina Francisco, especialista em marketing de serviços de luxo.

Poderá ser mais desportivo, divertido, infantil, elegante, exibicionista de status, trendy ou simples, diz. «Pode ser usada de forma publicitária, para se promover qualquer marca, e até religiosa, ecológica ou política, veiculando ideologias e slogans.» A variedade infinita permite sempre escolher a T­‑shirt que mais se identifica connosco no momento, com a vantagem de ser dos itens de vestuário mais em conta.

Não admira que os hippies se apropriassem desta forma de expressão para criticar a Guerra do Vietname nas décadas de 1960 e 70: uma T‑shirt é sempre um grito imediato de qualquer coisa. Provocadores e underground, mais duros na mensagem, também os punks se vestiram para protestar por mudanças políticas, sociais e culturais que consideravam necessárias.

A T­‑shirt branca passa a simbolizar o homem rebelde e sedutor. São imensas as referências visuais que generalizaram a vontade de usar a peça.

Nas duas décadas seguintes, uma geração de jovens profissionais urbanos escalou na sociedade e foi a vez de as grandes marcas criarem peças com logótipos e estampas, que rapidamente identificavam a T‑shirt com o status de quem vestia. Se aqueles yuppies ricos e consumistas queriam andar por aí a mostrar o seu poder, que o fizessem à vontade.

«Pelo caminho, também Hollywood ajudou a fazer dela uma peça­‑símbolo que nos chegou primeiro através do guarda­‑roupa masculino», salienta a stylist Sandrina Francisco. Com James Dean em Fúria de Viver (1955), «a T­‑shirt branca passa a simbolizar o homem rebelde e sedutor. São imensas as referências visuais no cinema e na imprensa que generalizaram a vontade nas massas de usarem a peça.»

Na moda, tornou­‑se presente nas coleções de tantos estilistas e marcas, da alta-costura ao pronto-a-vestir. Bem dizia Giorgio Armani que sempre pensou nas T­‑shirts brancas como ponto de partida para tantas combinações ou looks.

«Quem nunca se emocionou ao encontrar a T­‑shirt preferida da adolescência no fundo de uma gaveta?», questiona a stylist, consciente de que a roupa fala por nós. O que faz dela a peça mais desejada? «O facto de trazer para a luz do dia um toque de conforto sem comprometer o estilo», resume a especialista em imagem corporativa Raquel Guimarães. E o que fazer na hora de adquirir novas peças? «Sobretudo, perceber que estilo é esse para evitar a frase “comprei e nunca usei”», aconselha a psicóloga Danyla Borobia, apelando ao bom senso. «Entre tantos materiais, cores, texturas, facilmente a pessoa irá encontrar uma T­‑shirt para chamar de sua.»