Texto de Catarina Guerreiro
Fotografia de Rui Oliveira/Global Imagens
O tema por si só já levanta polémica, mas com Cristiano Ronaldo pelo meio o debate fica incendiado. Uns acham inaceitável que se recorra a barrigas de aluguer para ter filhos, como o jogador terá feito de novo, segundo os jornais ingleses. Outros alegam que é um método legítimo desde que exista legislação clara.
Em Portugal está para ser regulamentada uma nova lei que prevê a maternidade de substituição apenas para casos muito concretos, como o das mulheres sem útero, mas nem aqui há consenso. Basta ver as posições opostas de Ana Sofia Carvalho, 43 anos, diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto, e Cláudia Vieira, 42, presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade.
Para Cláudia Vieira trata-se de uma forma, como tantas outras, de ter filhos. «Há muitas crianças sem pai e mãe e que se tornaram adultos válidos», afirma, acrescentando que hoje a noção de família tradicional mudou, nomeadamente com as famílias monoparentais e os casais homossexuais.
«Acho bem que o Ronaldo, um homem com vontade de ser pai e que não encontra a mulher com quem quer ter um filho e vê o tempo passar, recorra a este método», defende Cláudia Vieira, notando que o outro filho, que também terá sido gerado com recurso a uma barriga de aluguer, «parece feliz e bem enquadrado».
Mas Ana Sofia Carvalho está em total desacordo. E não esconde que não apoia a opção do jogador de futebol. «No caso de Cristiano Ronaldo, pelo menos aparentemente, nada justifica, como ter uma doença, por exemplo, que ele recorra a este método que coloca sempre os filhos numa situação de vulnerabilidade», diz.
Além disso, a especialista em bioética sublinha que, por alguns terem acesso a este tipo de técnica, Portugal não deve adotar para si a mesma forma de viver. «Há países onde todos fogem aos impostos e nós não temos de permitir isso no nosso país para haver igualdade», exemplifica, admitindo que, para si, as barrigas de aluguer não fazem qualquer sentido.
Já para Cláudia Vieira trata-se de uma forma, como tantas outras, de ter filhos. «Há muitas crianças sem pai e mãe e que se tornaram adultos válidos», afirma, acrescentando que hoje a noção de família tradicional mudou, nomeadamente com as famílias monoparentais e os casais homossexuais. E questiona: «Quantas crianças estão nas instituições por terem sido abandonadas por casais heterossexuais?»
Para Ana Sofia Carvalho, existem porém outras opções que considera melhores, como a adoção de «embriões criopreservados», por exemplo.
No entanto, do ponto de vista de Ana Sofia, nada valida as barrigas de aluguer. «Entre a vontade de os casais terem filhos e o superior interesse da criança, o que prevalece é este último.» Para ela, esta forma de ter filhos nunca protege o interesse da criança, por colocá-la numa situação de fragilidade que acaba muitas vezes em quebra-cabeças jurídicos nos tribunais.
Por isso, nem mesmo a lei portuguesa, que apenas permite o recurso à maternidade de substituição em situações concretas, como a ausência de útero, uma lesão ou uma doença deste órgão, lhe agrada.
Cláudia, por seu lado, lembra que a maternidade de substituição é a única forma de algumas pessoas terem descendentes, classifica-a como um «ato de amor» e garante que o importante é legislar para que seja tudo feito às claras, ficando bem definido que não há qualquer negócio em todo o processo. Para Ana Sofia Carvalho, existem porém outras opções que considera melhores, como a adoção de «embriões criopreservados», por exemplo.
O problema, alega a presidente da Sociedade Portuguesa de Fertilidade, é que atualmente «já existe maternidade de substituição em Portugal», feita às escondidas, como sucedia com o aborto antes de ser legalizado, e é preciso ter legislação. Daí que, apesar de ser limitada, esteja satisfeita com a lei que está a ser regulamentada pelo governo, depois de resolvidas as questões que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a vetar o primeiro decreto.
«Ninguém recorre a este tipo de gestação por capricho», alerta. Nisso, Ana Sofia concorda. «Também acho que não. Qualquer pessoa nessa situação sofre imenso», diz, considerando que esta regulamentação tem graves problemas éticos, como não ser devidamente clara quanto «aos direitos das gestantes e não ficar completamente definido o que fazer em caso de malformações ou de um eventual aborto – assuntos que, em janeiro, foram levantados pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Cláudia – que faz questão de lembrar que, no caso português, não se trata de barriga de aluguer porque não há qualquer pagamento – tem outra interpretação das normas legais e diz que todos esses assuntos estão resolvidos no projeto de regulamentação. Opiniões tão distintas levam Ana Sofia a concluir: «O que não pode existir é tanta dúvida numa questão tão sensível como esta.»