Olá, jovem jornalista. Chegaste ontem e, a medo, sentaste‑te ao teu computador… ALTO! Não faças isso. Nunca ouviste um berro de redação? Espero que seja apenas o primeiro. São comportamentos em vias de extinção no ambiente assético das atuais redações. Davam‑se muitos quando comecei, e foi orientando‑me entre eles que me tornei jornalista. Têm todo o brio de quem os dá: orgulho na profissão, no trabalho, no produto e, sobretudo, respeito por aqueles a quem se dirige.
A sociedade, os leitores. Nesta semana pensei muito em jornalismo, esta coisa que fazemos, eu e tu. Li a entrevista que deu um dos melhores de nós, o Fernando Alves, da TSF, também a do diretor do El País, António Caño, no Público, e… fiz 25 anos disto. Já dá para uma boa reflexão.
Por isso, primeira lição: larga o ecrã. É mais fácil descobrir o mundo por aí, chega‑nos lido, simplificado, mas é isso que deves evitar.
Tens pretensões de ser mediador – a razão pela qual vale a pena ser jornalista é tentar perceber e dar a perceber o mundo. Esse ecrã espelha a tua existência, as coisas chegam‑te através de um algoritmo marado que acha que te conhece. Não, tu és mais. Vais ser mais.
Segunda lição: vai lá fora descobrir esse mundo que há entre a rua e o ecrã. Bairros de lata, bairros sociais, de classe média e os que já só têm turistas.
Sai da tua cidade. Vai ao campo, aos subúrbios. Anda nos transportes sem fones nos ouvidos. Frequenta tascas e lóbis de hotéis. Vai à Assembleia da República, às conferências de imprensa – vê os bastidores das coisas. Inventa histórias só para conheceres mais camadas desse mundo, mas pelos teus próprios olhos.
Em todo esse caminho, dois conselhos: olha e escuta. Mãos nos bolsos. Para que não haja nada a interferir entre ti e o mundo. Nem blocos de notas nem gravadores. Aquilo de que te lembrares é o que será importante. E fala com toda a gente que consigas, mas reduz ao máximo a quantidade daqueles que são parecidos contigo. Jornalistas, não, nem assessores. Relações-públicas, à distância.
Quanto mais diferente de ti for a pessoa com quem falas, mais interesse terá. Sai da tua zona de conforto, como dizem os livros de autoajuda. Para isso tens de ter um verdadeiro interesse nos outros. Em quem te rodeia e não. Pode ser um cliché, mas não vale a pena seres jornalistas se não tens curiosidade, se não te questionas – e isto é, precisamente por causa dos ecrãs que nos dão todas as respostas, aquilo que mais falta faz.
A primeira pergunta que tens de fazer é: porquê? Mas depois dessa faz mais, faz outras. O que é que isto interessa? Quem tem interesses envolvidos? Segue o dinheiro, o sexo, a mulher… ou o homem. Terás boas pistas nos clássicos do romance de mistério para perceber qualquer história da humanidade.
Por isso lê, tudo o que conseguires. Se, por um lado, nada do que é humano deve ser estranho a um jornalista, há uma grande tendência para a normalidade, e o que não parece verosímil normalmente não é.
Pensa sempre pela tua cabeça. És… deus, digamos. Não percebes? Vou usar outra analogia, és uma espécie de abutre a sobrevoar a presa. Quando tens uma história entre mãos, deixas de ser tu e só te interessa a história que tens para contar. Essa adrenalina, digo‑te, é do melhor que há.
Por último, nunca confies demasiado em ti. Ao contrário do que julgam os algoritmos, ter certezas não é bom quando se quer explicar o mundo.
É melhor ter dúvidas, muitas. Só elas podem levar‑te além dos teus preconceitos para encontrares algum tipo de verdade. Essa verdade será o que te aproximará dos teus leitores e tornará o teu trabalho importante, muito mais do que os gatinhos das redes sociais. Quando lá chegares poderás dizer, sim, sou jornalista. Até lá…