O meu carro estava bem estacionado, dentro das linhas marcadas no chão, a distância correta dos outros. O homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu está agora, neste preciso momento, a queixar-se de como, em Portugal, as pessoas têm pouco civismo. Dá o exemplo dos papéis no chão, dá o exemplo dos riscos de tinta nas paredes, dá o exemplo das pessoas que se metem à frente nas filas. Se fosse na Alemanha ou na Suíça, tudo seria muito diferente, diz ele.
O homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu está agora, neste preciso momento, a queixar-se de como, em Portugal, só há maus condutores. Ninguém respeita os limites de velocidade, ninguém respeita as prioridades, ninguém faz pisca, diz ele.
O homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu está agora, neste preciso momento, a dizer que, em Portugal, são todos iguais: os políticos são todos ladrões, os árbitros são todos corruptos, ninguém quer saber. O país não avança enquanto continuar assim, diz ele.
O homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu está agora, neste preciso momento, a queixar-se dos novos, não respeitam os mais velhos, não imaginam que falta pouco para também eles serem velhos; ou está a queixar-se dos velhos, ocupam os lugares dos mais novos, já se esqueceram de que também foram novos. Parece que estamos a andar para trás, diz ele. Ou: parece que nunca mais andamos para a frente, diz ele.
Na verdade, não sei se é velho ou novo, não estava lá, não vi o homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu. Mas a senhora do café estava lá, saiu à porta e viu, tirou a matrícula e escreveu-a numa folha de papel antes de se esquecer. Por isso, sei que foi um homem.
A senhora do café é a antítese absoluta desse homem que me bateu no carro estacionado, que lhe amolgou a porta de trás e fugiu. Viva a senhora do café.
Sim, é portuguesa.