– Tenho estado a pensar…
– Ui. Quando dizes isso, vem aí uma crise. Ou uma conversa séria.
– É mais ou menos isso. É sério. Mas não é um drama.
– E tem de ser agora? Estou a levar as coisas para o carro. Vamos aproveitar que os miúdos estão entretidos e deixa-me carregar o porta-bagagens. Falamos na viagem.
– Não quero falar à frente deles.
– Mas é grave? Estamos em crise? O que é que eu fiz?
– Nada. Relaxa.
– Tu detestas que eu te diga para relaxares.
– É por causa das férias.
– Então? Não queres ir?
– Não estou a gostar da ideia de ir com o teu irmão.
– Agora é que dizes? Temos tudo marcado. Andaste a falar nisso durante não sei quantas semanas. Não descansaste enquanto não alugámos a casa.
– Mas tu não percebeste. Andei a falar nisso porque queria duas casas. Era disso que eu andava à procura.
– Mas de onde é que vem isso agora?
– Estou a ficar tensa. Pensa comigo: uma semana com o teu irmão, a mulher e os filhos. Vamos estar uma semana, sete dias, 24 horas por dia, dentro da mesma casa. Com a Sandra. Isso não te preocupa?
– A Sandra é complicada, mas não vamos estar sempre em casa. Vamos para a praia, para a piscina, os miúdos vão estar todos juntos. E o meu irmão controla aquilo.
– Ele não a controla em casa, vai controlá-la fora de casa? Já sabes que ela vai andar sempre de trombas e a reclamar com tudo.
– Ela já está melhor. E agora só se chateia quando tu a picas.
– Desculpa?! Quando eu a pico? Eu não pico ninguém.
– Tu irritas-te com a mania das arrumações dela e aquilo ferve.
– Sim, isso irrita-me. E em férias vai irritar-me ainda mais.
– Tens de relaxar. Não sofras por antecipação.
– Não me digas para relaxar!
– Estás enervada. Se calhar a esta hora eles estão a conversar sobre isto. Ela a dizer que não quer ir connosco porque tu a enervas e o meu irmão a dizer que vai correr tudo bem.
– Era o que mais faltava. Que razões de queixa tem ela de mim?
– Se calhar não gosta que sejas desarrumada?
– Eu não sou desarrumada. Sou descontraída.
– Vamos de férias para a mesma casa com outras pessoas. Ao fim de uns dias pode haver tensão, sim. Mas vamos gerir isso bem.
– É a mais velha história do mundo. Há amizades que acabam por causa disso. E pode bem haver irmãos que nunca mais se vão falar. Uma semana inteira. A combinar refeições, compras, horários…
– Porque é que não disseste isso tudo antes?
– Porque tu e o teu irmão estavam entusiasmados e porque pensei que íamos para casas diferentes.
– É só uma semana, passa num instante.
– A Sandra obriga os miúdos a limpar a areia dos pés antes de entrarem em casa. E o teu irmão também.
– Ele também os obriga? Isso não é nada dele.
– Não. Ele também tem de limpar os pés. Se ela me manda limpar os pés eu mando-a a um sítio.
– Ela não vai fazer isso. Se quiser, pode varrer o chão.
– E sabes que eles vão sempre para a praia às nove da manhã? E às onze e meia saem, sem falta?
– Nós não conseguimos fazer esses horários.
– Estou de férias, não quero andar a correr. Quero lá saber se ela pensa que eu sou má mãe. Ensopo os miúdos em protetor solar.
– Nós vamos mais tarde.
– E depois não almoçamos juntos.
– Estás a enervar-te. E a enervar-me.
– Ainda estamos a tempo de desistir?
– Vou carregar o carro. Agora. Fui.
[Publicado originalmente na edição de 17 de julho de 2016]