Os suplementos que contêm cálcio podem ajudar pessoas idosas a «manter os ossos normais», como alega a publicidade ao Calcitrin? Ou, de acordo com a Ordem dos Farmacêuticos, o Infarmed e a Ordem dos Médicos, essas alegações são publicidade enganosa e estes têm riscos significativos para a saúde? É um bocadinho complicado.
A eficácia e a segurança dos suplementos de cálcio e vitamina D (como o Calcitrin) para prevenir fraturas ósseas em idosos é controversa. Os ensaios clínicos não mostram uma grande diferença na ocorrência de fraturas entre grupos que tomam e não tomam estes suplementos. Uma revisão sistemática da literatura médica realizada em 2009 pela Cochrane Collaboration (uma colaboração científica internacional que é o padrão para a medicina baseada na ciência) concluiu que não havia provas de que a vitamina D e o cálcio as prevenissem e que estes suplementos causavam um pequeno aumento de problemas renais e gastrointestinais. Em 2014, a Cochrane fez uma nova revisão e, face a novos ensaios clínicos, os autores concluíram que, apesar dos tais efeitos negativos, afinal há mesmo uma pequena redução do risco de fraturas. Mas não acabou. Em julho de 2015, dois endocrinologistas neozelandeses publicaram no British Medical Journal um artigo argumentando que, perante as provas disponíveis, os suplementos não reduzem esse risco em mais do que dez por cento e fazem-no à custa de efeitos prejudiciais bem mais significativos, incluindo doenças cardiovasculares. Defendem por isso que não devem ser recomendados a idosos autónomos, casos em que uma vida ativa, uma dieta equilibrada e controlos da osteoporose são certamente boas opções.
Os suplementos podem ter um pequeno benefício nalguns casos, mas há muita controvérsia acerca dos problemas associados. Claro que isto não é uma coisa muito boa para pôr na publicidade: olhe, isto talvez lhe faça um bocadinho bem aos ossos, mas também é capaz de lhe dar cabo dos rins. Como não é o que diz a publicidade, a Ordem dos Farmacêuticos tem provavelmente razão quando fala em publicidade enganosa. Até porque nenhum destes suplementos poderá reconstituir ossos já debilitados pela osteoporose, como por vezes se é levado a acreditar. Estes produtos são comercializados como suplementos alimentares e não estão sujeitos às exigências de eficácia e segurança dos medicamentos a sério. Isso nem sempre é evidente para o consumidor. E é de propósito.
Periscópio
PORTUGAL E O ESPAÇO
É o título do mais recente volume da coleção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos, 80 páginas escritas por Manuel Paiva, o físico português que presidiu à Comissão Ciências da Vida da Agência Espacial Europeia e participou em dez missões espaciais. É um excelente retrato do envolvimento do nosso país na exploração espacial, que à primeira vista surpreende, pelo número e qualidade dos grupos de investigação e empresas, assim como pelo dinamismo dos programas de educação científica associados a estes temas. Discute ainda, de modo informado e cativante, o futuro da exploração espacial, com missões tripuladas e robóticas. Será apresentado na próxima quinta-feira às 18h30 no Planetário Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Mais informações: http://www.ffms.pt.
[Publicado originalmente na edição de 31 de janeiro de 2016]