Sukupira e a roupa com consciência

Três empreendedoras portuguesas com menos de trinta anos, um costureiro senegalês, dois guineenses, um mercado cabo-verdiano. O projeto sustentável chama-se Sukupira, compra roupas africanas a preço justo, vende-as com margens controladas e espera contribuir para mudar mentalidades e dar mais dignidade, recursos e poder a quem está por detrás das etiquetas.

Há sapateiros, carpinteiros, gente que vende legumes, peixe e outros bens alimentares, produtos artesanais e eletrodomésticos. Há coisas de outros países africanos e algumas vindas de paragens ainda mais distantes. No Mercado de Sucupira, na cidade da Praia, em Cabo Verde, quase tudo se vende. Mas poucas coisas captam tanto a atenção dos visitantes como os tecidos de cores garridas.

Sara Gouveia não foi exceção. No final de 2015, depois de dois meses em Cabo Verde, onde esteve integrada num projeto de voluntariado, voltou a Portugal com uma ideia. E não só. «Durante este tempo em Cabo Verde tive a oportunidade de ir ao mercado de Sucupira, onde encontrei peças de roupa feitas de capulanas, o tecido africano tão comum. Percebi que, além de estes tecidos serem utilizados à volta do pescoço ou da barriga para segurar uma criança, também tinham peças com cortes mais modernos, muito bonitas. Quando voltei a Portugal, trouxe algumas coisas para mim, mas aquelas peças ficaram-me na cabeça.»

Daí à decisão de criar uma marca para partilhar esta paixão foi um instante. Para vencer a distância, a jovem de 26 anos licenciada em Gestão de Eventos juntou Inês Lages e Catarina Reis à equipa. Tinham-se conhecido durante o voluntariado e ainda estavam em Cabo Verde nessa altura. «Disse-lhes que queria tentar fazer isto. “Podem-me ajudar? Querem entrar no projeto?” Elas acharam uma ideia fantástica e começámos a trabalhar.»

«Isto» era não apenas trazer peças do mercado de Sucupira para Portugal mas também promover uma forma de comércio consciente, sustentável e baseado nas pessoas. Para isso, Catarina e Inês voltaram ao mercado e convidaram três costureiros locais a juntarem-se a elas. A proposta: venderem as suas peças ao preço que exigissem e considerassem justo.

«Temos uma sociedade de consumo que nos leva a adquirir peças em grande quantidade, em lojas de grandes superfícies», diz Sara. «Mas essas roupas são confecionadas, na sua maioria, em países subdesenvolvidos onde as condições de trabalho não são favoráveis. Não é uma boa filosofia humanitária ter estes trabalhadores a fazer estas peças a um preço ridículo, com a maior margem de lucro a ficar nas grandes empresas. Na Sukupira temos trabalhadores com uma boa qualidade de vida (têm os seus próprios ateliês, a sua máquina de costura, um espaço no mercado para vender as suas peças num ambiente agradável e um horário que controlam) com quem temos uma relação. O nosso contacto é completamente à distância, mas eles ligam-nos a toda a hora, felicitam-nos, agradecem… É uma relação mais saudável.»

«O nosso objetivo final é mais concetual do que propriamente económico», continua a fundadora e gestora do projeto.

«O fundamental é passar esta mensagem ao consumidor: de onde vêm as nossas roupas, como são confecionadas, quem são as pessoas que trabalham nestas empresas e como estão a ser tratadas.»

É por isso que, em cada peça, é possível descobrir na etiqueta (feita em material reciclado) o nome, a fotografia e um pouco da história do costureiro responsável pela criação.

Assaitou Balde é responsável pela criação da maioria das peças. Tops, camisas, tudo isso sai da máquina da costureira de 28 anos oriunda da Guiné-Conacri, que mudou para Cabo Verde com as duas filhas e o marido. Os vestidos são produzidos por Aguibou Diallo, senegalês a viver no arquipélago há pouco mais de dois anos – embora o costureiro tenha mais prazer em fazer camisas e T-shirts «bem coloridas». A eles junta-se ainda o guineense Barry White, com quatro filhos e uma assumida paixão pela costura que se concretiza nos calções, saias e calças que vende no mercado – e, agora, também em Portugal, através da Sukupira.

Para já, as peças estão disponíveis em três lojas parceiras, em Lisboa, Braga e Aveiro, com preços a variar entre os 18 e os 35 euros. «Os donos das lojas já pediram para aumentarmos os preços das peças porque reconhecem a qualidade do produto e sabem que poderiam vendê-las por valores mais elevados. Mas isso não vai de encontro à nossa política», diz Sara. Ainda antes do final do ano, a loja online deverá contar também com uma linha de acessórios, neste caso vindos de São Tomé. «Adquirimos algumas peças da Kwaglavi, uma marca de um costureiro que conheci este verão, em São Tomé, e com quem faremos uma parceria, também para enriquecer e diversificar a oferta para o inverno.»

Em breve esperam ter disponível a loja online para poderem vender para qualquer ponto do país e estrangeiro. Até porque as peças podem ser confecionadas em pequenas máquinas de costura, em Cabo Verde, mas a Sukupira dificilmente existiria sem a ajuda da internet. Foi no mundo digital que Sara, Catarina e Inês, todas com menos de 30 anos, encontraram os fundos para adquirir o primeiro stock, através de financiamento coletivo. «O crowdfunding oferece uma facilidade enorme para o lançamento de projetos, porque nos dá a certeza de que a primeira coleção vende, que tem saída, e permite perceber se o mercado percebe a iniciativa.» No espaço de apenas um mês conseguiram reunir 110% do objetivo inicial de 1800 euros e comprar as cerca de quatrocentas peças que compunham o primeiro lote. «É uma solução que representa uma grande vantagem competitiva para quem nos ajuda, fazendo a pré-compra, porque permite que as pessoas adquiram as peças a um preço mais baixo do que o praticado no mercado, e para nós também, porque nos deu acesso ao valor inicial para adquirir o primeiro stock

Com valores como a diversidade, sustentabilidade e integridade a definir a marca, a Sukupira é também um reflexo das exigências de um novo consumidor – os chamados Millennials, nascidos entre 1980 e 2000.

Em 2015, um estudo conduzido online em 60 países pela Nielsen, uma empresa de estudos e análise de comportamento, concluiu que os Millennials eram a geração mais disposta a pagar um valor extra pela sustentabilidade, com respostas positivas de mais de 70% dos entrevistados. «As marcas que estabelecem uma reputação baseada na sustentabilidade entre os jovens consumidores de hoje têm uma oportunidade não só de fazer crescer a sua quota de mercado mas também de construir lealdade entre os Millennials que se assumirão como compradores amanhã», lê-se no comunicado da empresas. Mas nem só os Millennials parecem estar mais atentos a estas questões: na verdade, 66% de todos os participantes afirmaram estar disponíveis para pagar mais por produtos e serviços de empresas preocupadas com o seu impacto social e ambiental.

PASSOS CURTOS MAS FIRMES

Com poucos meses de existência, a Sukupira não tem pressa de crescer. As primeiras peças chegaram aos pontos de venda no início de agosto e, em breve, estarão disponíveis também para compra online, no site da marca. «É um projeto que quer crescer degrau a degrau», diz Sara Gouveia, fundadora e gestora do projeto. «Colecionámos algum stock, que temos em Portugal, e no próximo ano continuaremos, nessa altura com novas perspetivas.» Além das peças de roupa confecionadas pelos costureiros em Cabo Verde, a Sukupira associou-se também a uma marca de acessórios santomense, cujas peças estarão disponíveis, pelo menos nesta primeira fase, apenas online. Para já, as peças podem ser compradas em lojas em Braga, Aveiro e Lisboa – as moradas estão disponíveis em sukupira.org.