Este fim de semana, se tudo correr bem, a temperatura volta a subir e eu faço quarenta anos. Segundo a esperança média de vida do homem português – 77,4 anos – estou a pouco mais de metade do caminho, e isso é coisa que me provoca doses semelhantes de encorajamento e desânimo. Por um lado, ainda tenho tempo para muita coisa. Por outro, há um marco a lembrar-me que não sou imortal, que um dia isto vai tudo acabar. É estranho, porque no cinema estas coisas nunca acontecem. Nós somos como os protagonistas de um filme, o enredo é sempre visto pela nossa perspetiva, os falhanços e conquistas da história medem-se pela nossa bitola. Com uma única diferença: os protagonistas dos filmes nunca morrem.
Há um estudo do Centro de Longevidade da Universidade de Standford, uma das mais reputadas dos Estados Unidos, que diz que a entrada na meia idade é o ponto mais difícil na vida do ser humano. A teoria é largamente aceite pela comunidade científica: o nosso grau de felicidade mede-se por uma curva em U. Nascemos felizes e envelhecemos felizes. Aos quarenta, no entanto, estamos no ponto mais baixo da curva, no pico da nossa insatisfação. A partir dos cinquenta, é sempre a subir.
Também tenho a minha teoria, e é um bocadinho menos deprimente que o estudo de Stanford. É que, aos quarenta, um tipo já cumpriu a maioria das coisas a que se tinha proposto aos vinte. Em puto, eu sabia que queria viajar muito, que queria ser jornalista, que queria que os meus dias adultos fossem intensos e divertidos. E agora tenho quarenta anos, mais de cem carimbos no passaporte, vivo das reportagens que escrevo e posso muito bem redigir a minha biografia somando alegria às gargalhadas. Estou aqui e isto é mais do que alguma vez me atrevi a sonhar. Mas, agora, faço o quê?
Sempre tive inveja do meu irmão Hugo, da minha amiga Catarina e do meu amigo André, que nasceram em 1974. Foi o ano do fim da ditadura, foi o ano do início da liberdade de expressão, e isso para um jornalista é a coisa mais bonita que pode existir. Eu nasci em 1976, tenho a idade da Constituição Portuguesa. Por isso não é totalmente injusto dizer que celebro o meu aniversário com a democracia. Em ambos os casos, estamos crescidos, já temos idade para sabermos quem somos. Segundo a curva de Stanford, no entanto, estamos a passar pelo pior período da nossa história, pelas dores de crescimento da meia idade. Talvez seja verdade, sim. Às vezes parece mesmo que sim, sobretudo quando me vejo a criticar, legitimamente, as falhas do sistema. Basta, isto assim não vai lá. Precisávamos era de outra coisa.
Depois lembro-me de onde estou. Tenho a melhor profissão do mundo, afetos que não sei o que fiz para merecer, riso todos os dias. A democracia, com quem divido a festa de anos, nunca nos garantiu tanta escolha e tanta liberdade, nunca foi tão implacável na defesa de crenças, direitos e opções dos cidadãos. Bem podem vir as balas e as bombas fazer-nos temer pelo caminho, bem podem tentar assustar-nos violando abruptamente o nosso modo de vida. Sabemos que, por tortuoso que pareça, este é o trilho. Querida democracia, temos a mesma idade e hoje, só hoje, vou falar também por ti. Se os quarenta são o ponto mais baixo da minha felicidade, então eu quero viver para sempre.