Querido Júlio,
Nesta semana, uma jovenzinha escrevia-me a dizer que gostaria muito de ser uma «deusa sexual», de saber fazer tudo sexualmente para que os homens ficassem loucos com ela. Por outro lado, costumo ouvir no meu consultório homens que manifestam o desejo de ter uma parceira sexual que se comportasse como uma deusa. A propósito, recordo-me de um casal que acompanhei há muitos anos, em que ela de facto se comportava como uma deusa sexual aos olhos dele, mas exclusivamente aos olhos dele. Porque ela odiava sexo, não se excitava, não tinha prazer, nunca teve um orgasmo. Comportava-se assim porque achava que se não o fizesse não conseguia arranjar e garantir um namorado. Infelizmente, oiço este discurso vezes de mais. Uma mulher vale muito mais do que uma mera aprovação masculina do seu comportamento sexual na cama.
No sexo não há anjos nem deusas. O que resulta para uns casais não resulta para os outros. Não há manuais. Querer ter ou ser uma deusa na ação e não o conseguir interiormente, na convicção, não serve para nada. É preciso estar atento/a aos sentidos, à sua voz interior, às suas necessidades, aos seus desejos, aos seus receios, às suas fronteiras, num discurso íntimo que se quer claro, inequívoco e prazeroso.
O naturalismo das relações é a verdadeira arte da sexualidade, e para tal só são precisas duas pessoas, disponibilidade, desejo, vontade, tempo e pele. Muita pele!
O resto são apenas as inutilidades dos tempos modernos, tal como ter uma televisão em cada quarto, vários telemóveis ou vinte pares de sapatos.
Curiosamente, na semana passada li uma notícia invulgar que falava da reação da população de uma aldeia da Indonésia que descobriu uma boneca insuflável caída na praia e acreditou tratar- se de um anjo caído do céu. A notícia é deliciosa, porque é de uma inocência quase poética. Acreditar-se que o lugar onde se vive foi abençoado pela queda de um anjo é extraordinário e belo. Contudo, essa crença foi rapidamente destruída pela polícia local, que justificou a crença pelo facto de as pessoas dessa aldeia não terem acesso à internet e de nunca terem visto uma boneca insuflável.
Provavelmente muita pouca gente já viu uma boneca insuflável. E garanto-vos que é muito pouco interessante, em nada parecida com um anjo. Não que eu tenha visto algum anjo recentemente e, pensando bem, nem agora, nem nunca. Mas já sonhei com um anjo, e talvez isso possa contar. Os anjos não têm sexo, mas esta boneca provavelmente não seria casta. Muitos consideram-na uma verdadeira deusa sexual, disponível para todos os deleites masculinos. As bonecas deste tipo têm tido ao longo dos tempos uma procura desenfreada, em especial pelos nipónicos, que gastam verdadeiras fortunas para obter a «deusa» mais inovadora do mercado. Muito se poderia dizer sobre a tecnologia de ponta adaptada a bonecas, verdadeiros robôs multitask, mas fiquemos por aqui.
Júlio, let’s go back to the basics. Não é na simplicidade, na disponibilidade, na sensualidade e na sensibilidade que está a verdadeira «poesia divina» da relação a dois?
[Publicado originalmente na edição de 15 de maio de 2016]