Para não dizerem que não falei das flores

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Mais coisa, menos coisa, o título desta crónica evoca uma célebre canção do brasileiro Geraldo Vandré, que no refrão dizia algo como «Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora/Não espera acontecer.» No seu tempo (1968), Pra não Dizer Que não Falei das Flores foi uma espécie de hino da resistência do movimento estudantil brasileiro contra a ditadura militar, adotado também do lado de cá do mar como cântico da juventude insubmissa (chamemos-lhe assim). A música de Vandré perdeu, porém, o festival da canção daquele ano para Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, que foram vaiados aquando do anúncio do vencedor.

Lembrei-me da canção de Vandré e dos ideais perdidos da geração de 1960 apenas por ser março e a primavera estar a começar, já tão parca de ideias novas e rebeliões duradouras, e ainda assim festiva de cores, flores e revoadas de andorinhas nos céus da cidade. Pareceu-me, por isso, o momento ideal para recordar a bela e arrebatadora história do senhor Kuroki – um japonês que, segundo as notícias, e se ainda for possível acreditar naquilo que se lê e vê, terá edificado um dos mais impressionantes monumentos românticos de todos os tempos, só comparável ao Taj Mahal (mas eu prefiro o jardim de shibazakura do senhor Kuroki).

De acordo com o site www.rocketnews24.com, os Kuroki foram um banalíssimo casal de agricultores de Nyuuta até ao momento em que, aos 52 anos, a esposa perdeu a visão devido a uma complicação diabética. Ficou deprimida e isolou-se em casa. O senhor Kuroki dedicou os dois anos seguintes a plantar uma nuvem cor-de-rosa de flores em torno da casa da família. Assim que o perfume das flores lhe chegou ao nariz, a esposa voltou a sorrir e o casal dá agora belos passeios pelo caminho de terra entre os pés de shibazakura. Pode parecer uma coisa de nada, mas, no ano passado, entre o final de março e de abril, mais de sete mil pessoas visitaram o perfumado jardim dos Kuroki – não por se tratar de um espaço notável ou extravagante, mas apenas por ter na sua origem uma história de amor que enternece.

Será uma irrelevância. Mas comover-me é, cada vez mais, uma forma de resistir à brutalidade dos dias que passam.

[Publicado originalmente na edição de 20 de março de 2016]