Os piores adeptos do mundo

Notícias Magazine

Portugal apurou-se ontem à noite para as meias-finais do Europeu de futebol à hora do jantar, mas em Dili o jogo passou a altas horas da madrugada – e ao nascer do dia o povo saiu à rua para celebrar. Nas ruas de Lisboa, pelas onze da noite, havia festa contida de buzinas. Dei uma volta hoje pelos jornais regionais, houve festa do Funchal a Viseu. E está certa a alegria, bem precisamos dela. Mas depois houve a discussão, e estava em toda a parte. Pergunto-me se em Dili houve o mesmo debate inflamado. Acredito que não, que Portugal passou a Polónia e isso bastou para a felicidade em sol nascente.

Vi portistas a revoltarem-se por Renato ter sido eleito o melhor jogador. Que haveria de ser Pepe, antiga glória do clube. Vi sportinguistas fazerem vénias a Rui Patrício, naquela mão esquerda cabia toda a alegria da passagem. E vi benfiquistas – eu próprio – defenderem que o miúdo ainda era do clube, só à meia noite passava a ser tecnicamente jogador do Bayern.

Num campeonato em que Portugal joga sem alarido e vai passando entre as gotas da chuva, os adeptos portugueses enchem-se de clubite para resolver o que está mal. Que havíamos de jogar com o meio campo do Sporting. Que Quaresma, o nosso joker, devia ser puxado à primeira cartada. Que o problema é não estar lá Pizzi, bem falta nos fazia. E sabem que mais? Cada uma dessas teorias está a revelar-se uma grandessíssima balela.

Do alto dos nossos televisores, da nossa experiência acumulada em jogos de FIFA e Football Manager, podemos perceber que entendemos tanto disto como da plantação de mirtilos. O engenheiro e os rapazes estão lá sozinhos. Resistem a assobios no estádio, aos comentadores que dizem que o jogo deles é «nojento» (aconteceu num jornal francês) e a todos nós com as nossas teorias. Quando ganharem o Euro – e vão ganhar o Euro – vão vingar-se de tudo: de termos estado quase lá, destes anos de austeridade, de um ministro alemão que nos quer empurrar para um segundo resgate. E de nós.

Esta história é bem antiga, a do dilema entre o amor aos clubes e à seleção. Na última vez que estivemos num Europeu em França, em 1984, levámos quatro treinadores, não fosse algum clube sentir-se lesado. Dois anos depois, no México 86, as discussões por causa dos jogadores que eram convocados descambaram no maior escândalo de sempre do desporto português, o Caso Saltillo. Ao contrário de nós, a Seleção emendou-se, para cada jogador parece ser de facto um orgulho representar o país. Dentro daquele balneário, estão unidos. Ontem, Cristiano não marcou golos, mas esforçou-se por todos, foi capitão. E nem é por nós andarmos a tentar dividi-los que somos os piores adeptos do mundo. É, em boa verdade, por não termos qualquer respeito por eles. Nem adeptos, nem comentadores televisivos, nem jornalistas.

Durante o jogo, um dos narradores do Portugal- Polónia insistia em chamar Renato Sanches de Renato Sanchéz, versão espanhola do apelido. Em duas rádios diferentes, o nosso puto também era castelhano. Na rua o mesmo: Sanchéz, Sanchéz, Sanchéz. E é por isso que somos os piores adeptos do mundo. Porque chamamos Ronaldo de Rónaldo, ou de CR7 (e está certo que o nome pode não ser bonito, mas alguém imagina a dona Dolores gritar: «CR7 anda para a mesa»?). De cada vez que um de nós chama Sanchéz a Renato, de cada vez que um de nós chama Rónaldo a Cristiano, morre uma andorinha. E ainda nos admiramos que o calor só tenha chegado em meados de junho.