Os outros todos estavam ou resignados ou ansiosos. Outros estariam a olhar para o seu mundo como se ele fosse imutável – e toda a gente sabe como temos de nos agarrar a um certo grau de imutabilidade para sobrevivermos. Os que não sabiam o que se ia passar, a maioria, dormiriam descansados esta noite.
Naquela altura era mais fácil esconder algo, fazer segredo. As redes de comunicação eram dominadas por uma elite do regime. Havia censura nos meios de comunicação social. E as malhas que impediam que se conseguisse dizer o que quer que fosse que não estivesse de acordo com o dominante eram muito finas, é certo. Mas os que acabavam por comunicar em privado podiam fazê-lo com mais certeza de que o estavam a fazer.
Hoje é mais difícil. Mas estaremos assim hoje longe, tão longe, desses idos de 1974? Nesta semana, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, falou da sua preocupação com o que poderá acontecer nos Estados Unidos no caso de Donald Trump ser eleito presidente. Estará preocupado com tempos que se pareceriam com estes do 24 de abril de há 42 anos em Portugal.
Zuckerberg denunciou as suas preferências políticas falando na conferência anual do desenvolvimento – que reúne todos os programadores que trabalham para a rede social. Falou contra as posições de Donald Trump. “Ouço vozes clamando a construção de muros e distanciando pessoas a quem chamam ‘os outros’. Ouço-os a clamar pelo bloqueio da liberdade de expressão, parar com a imigração, reduzir o comércio e, em alguns casos, cortar o acesso à internet”, disse.
O que aconteceu de seguida é assustador – e, ironicamente, reverte parte daquilo em que o próprio Zuckerberg acredita. Os programadores começaram a fazer perguntas nas suas boards internas sobre o que poderia ser feito dentro do Facebook para impedir a eleição de Trump. Foi assim que entenderam as palavras do líder. E, se pensarmos dois minutos no assunto, chegamos à conclusão de que nunca ninguém esteve em melhor posição para o fazer do que eles. Simplesmente porque podem, que é a forma mais eficaz de ter poder.
Através de uma fuga de informação o site Gizmodo deu a história toda. A empresa desmentiu qualquer interesse em misturar os seus negócios e a política – dizendo, de caminho, que nunca se assumiu como editor e não está no negócio dos conteúdos. Até porque isso pode prejudicar, precisamente, o seu negócio – que é o de vender acessos a pessoas que interessam. Mas esta posição valerá enquanto valer. E já vale pouco, tendo em conta que os algoritmos da rede social controlam o fluxo e o tipo de informação que corre nas suas veias comunicacionais. Por esta altura, as redes sociais, nomeadamente o Facebook e o Twitter, têm uma presença tão monopolista na nossa vida como qualquer ditadura que nos controlasse os passos.
Ou seja, seriam tão simples para o Facebook determinar uma eleição. Bastaria querer. Tudo o que a impede tem que ver com a ética, a ideologia ou o negócio. E nós, queríamos que o fizessem? Uma coisa é odiarmos um candidato, até, talvez, acharmos que ele é pernicioso para a democracia. Outra é querermos que haja alguém – ou alguma
coisa – que não um plebiscito a controlar a forma como elegemos os nossos líderes. Qualquer outra solução será demasiado parecida com o 24 de abril de 1974 para o nosso gosto. Mas temos de ter cuidado. Muito cuidado.