Além do turismo ou aventuras automobilísticas no deserto, Marrocos tem outros motivos para despertar paixões. Patrícia e Ana foram de visita a Marrocos. E fizeram tudo o que puderam para regressar a Marraquexe.
É uma viagem curta. De avião, entre Lisboa e Marraquexe, é pouco mais de uma hora. O mesmo que de carro entre a capital e Fátima ou entre o Porto e Coimbra. E parece que aterramos noutro mundo. O exotismo do Norte de África, o tom ocre das casas, os cheiros a especiarias, as vestes tradicionais. Dentro da medina, o centro histórico cercado por muralhas, a azáfama, as vestes e as chamadas para as mesquitas lembram-nos que a Europa até pode estar perto, mas que a distância cultural é grande. Ou não?
Em 2008, Patrícia Lorenzo (na fotografia de abertura), então com 23 anos, aterrava em Marraquexe. E a sua vida mudaria por completo. «Ele foi buscar-me ao aeroporto de motoreta. Fomos diretamente para a Praça Jemma El Fna e demos uma volta no souk. Fiquei estupefacta com todo aquele caos.» «Ele» era um rapaz marroquino que a jovem licenciada em Biologia tinha conhecido uns meses antes na Alemanha, num curso de verão para aprender alemão. «Foi uma experiência intensa. Depois levou-me para casa da família e dormi na sala com a mãe e a irmã. Na primeira noite acordei assustada às cinco da manhã, com vozes nos altifalantes. Pensei que eram avisos à população por causa de uma catástrofe na cidade. Mas era só a chamada para a oração. Rezaram e voltámos todos a dormir.» Nos dias seguintes, Patrícia e o anfitrião aventuraram-se no deserto para lá das montanhas do Atlas. «A semana terminou e eu voltei para Madrid, onde estava a fazer Erasmus. E quando este intercâmbio acabou voltei para Coimbra.» E o marroquino? «As coisas com ele não resultaram em nada. Ficámos só amigos.»
Também foi em 2008 que Ana Neno, na altura com 28 anos, conheceu Marraquexe. «Nos primeiros dias passei pelo estágio do choque cultural, mas terminei a viagem apaixonada pelo país e com vontade de descobrir mais sobre a cultura», diz a arquiteta. «Depois do curso voltei a Aveiro, onde fiz o meu estágio e comecei a trabalhar num pequeno gabinete. Depois dessa primeira visita a Marraquexe e de ter estado seis anos nesse atelier, decidi que era o momento de apostar em algo novo na minha carreira.» Foi aí que a arquiteta, interessada por História, decidiu tentar juntar o útil ao agradável e nas suas pesquisas encontrou um programa de doutoramento que iria iniciar-se na Universidade de Coimbra com o tema Patrimónios de Influência Portuguesa. «Candidatei-me com um projeto de investigação sobre Marrocos, “Processos e Políticas de Patrimonialização – o caso de Safim”. E fui aceite.»
Com visitas de curta duração, ambas, Patrícia e Ana, ficaram apaixonadas por Marraquexe e rapidamente encontraram forma de viver de forma permanente na cidade vermelha. «Como vim parar aqui outra vez?», pergunta Patrícia. «Por uma série de circunstâncias cruzei-me com um projeto de voluntariado europeu numa associação com mulheres com deficiência física na Medina de Marraquexe. Candidatei-me e consegui a vaga.» Assim Patrícia regressou à cidade dos seus sonhos, com um contrato de um ano, entre agosto de 2010 e Agosto de 2011, naquela que considera que foi uma das experiências mais enriquecedoras da sua vida. «Foi importante entender as dificuldades daquelas mulheres nesta cidade. A acessibilidade de pessoas com deficiências físicas em Marraquexe é praticamente nula. Nada está preparado para cadeiras de rodas. E a associação tinha ainda mais valor porque 60 por cento das suas receitas vinham da venda de bordados feitos à mão por essas mulheres», recorda Patrícia que no final desse ano teve a certeza de que queria ficar. «Percebi definitivamente que gostava do país, das pessoas, da cultura, da mentalidade, da maneira como se vive aqui, mais orgânica, mais natural, mais fluida.»
Em Marrocos vivem perto de 1600 portugueses, quase 70 em Marraquexe. Ana Neno é outra delas. Chegou em fevereiro de 2012, depois de ter estabelecido um acordo de cotutela com a Universidade Cadi Ayyad de Marraquexe e de ter obtido uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. «Quando cheguei procurei perceber onde seria o melhor local para viver. Os portugueses que aqui conhecia aconselharam-me a ir para a zona mais moderna, mais ocidental, o Gueliz, mas eu queria muito ir para a antiga medina, a cidade antiga. Encontrei uma casa em Berrima, um bairro na medina, mas pouco turístico. No ano seguinte mudei-me para Casbah. Entretanto saí da medina, mas tenho muitas saudades.»
E ser mulher em Marrocos? «As mulheres em Marrocos sempre tiveram muito mais liberdade do que no resto dos países árabes. Trabalham fora de casa, dirigem os seus próprios negócios. Não há profissões vedadas às mulheres», diz Patrícia.
O que mais a incomoda é o piropo. Ou melhor, o assédio sexual de rua. «É muito comum. Eu fazia um esforço por vestir mangas compridas, cobrir o traseiro, não mostrar nada… mas depois percebi que não fazia diferença. Eles vão atirar piropos. E eu já entendo tudo. É muito intenso, constrangedor… Incomoda. Mas acontece comigo como com qualquer outra mulher, tenha véu ou não tenha, seja loura ou morena. É uma coisa cultural. Desde que vejam uma mulher que lhes agrade atiram frases. De resto não me sinto discriminada ou excluída por ser mulher.»
Ana Neno também refere os piropos como uma marca cultural, mas nunca teve problemas. «Claro que é diferente ser mulher em Marrocos ou na Europa. Estou consciente de que vivo num país com uma cultura diferente. Não vou usar um decote e uma minissaia, apesar de muitas turistas usarem sem problemas, exceto os piropos», explica. Mas ao contrário do que se possa pensar, Ana sentiu-se sempre protegida, precisamente por ser mulher. «Por ser uma mulher sozinha era protegida. Até tenho uma história engraçada. Quando me mudei para Marraquexe era DJ em Portugal em alguns bares e então tentei arranjar um sítio aqui para continuar com esta atividade. Encontrei um bar-restaurante simpático na zona moderna e assim, aos fins de semana, vestia-me de forma mais sofisticada e lá ia eu. Colocava um casaco ou uma écharpe na rua para ser discreta, claro. Voltava para casa sozinha, na medina, já pela noite dentro. Uma certa noite, depois de ter ouvido rumores de alguns assaltos nas ruas de Marraquexe, pedi ao arrumador dos carros do meu bairro que me acompanhasse à porta de casa. De imediato os jovens da rua vieram dizer que se alguma vez alguém me fizesse mal que lhes dissesse pois eu era do bairro e ninguém me podia fazer nada ali.»
A verdade é que, depois de instaladas há algum tempo em Marraquexe, tanto Patrícia como Ana apaixonaram-se e não foi só pela cidade. «Houve um momento complicado: em 2015 estive três meses sem trabalho e já estava seriamente a pensar regressar a Portugal. Mas conheci um escocês que me roubou o coração. Tive logo uma sensação forte. Passámos a viver juntos muito recentemente. Neste momento trabalho numa agência de viagens e ele é diretor de um campo de golfe. Estamos os dois na mesma onda: gostamos muito de Marraquexe, gostamos muito de viver aqui, mas não excluímos a hipótese de vivermos noutro local no futuro se aparecer uma grande oportunidade. Caso contrário ficamos aqui. Somos felizes em Marrocos.»
Ana Neno apaixonou-se primeiro por uma fotografia da famosa Praça Jemma El Fna. Colocou-a no perfil do seu Facebook e um amigo que trabalha num café da praça disse-lhe que aquela imagem era de um amigo seu. E foi conhecê-lo. «O Kamal [Wadifi] revelou-se um homem fantástico, um artista sensível, uma pessoa aberta e ao mesmo tempo com os pés bem assentes nas suas raízes culturais. Casámos e Kamal também se apaixonou por Portugal. Temos uma filha luso-marroquina, Maria Rita, de 4 meses.»
AINDA MAIS PERTO
A partir de julho, a TAP terá mais voos e maior capacidade por avião para Marrocos. Para Casablanca, capital económica do país, os voos passam a bidiários. Para Marraquexe, capital turística, os quatro voos semanais atuais passam a sete (a partir de 198 euros, na campanha em vigor).