Somos quem somos graças às experiências que temos. A novidade é que as intrauterinas também contam. Mas quão definidores são os nove meses que passamos dentro da barriga das nossas mães? Muitos cientistas defendem que moldam as nossas vidas para sempre.
Na Grécia Antiga acreditava-se que durante a gravidez a mulher devia admirar esculturas para a criança nascer bonita. Embora esta crença, como desde há muito sabemos, em nada reflita a realidade, deixa entrever algo verdadeiro que sempre se intuiu, embora não se soubesse exatamente como: recebemos influências, temos experiências e aprendemos ainda in utero. Ian Donald (1910-1987) dizia que «as primeiras quarenta semanas de existência podem ser muito mais importantes, em termos médicos, do que os quarenta anos que se seguem». Claro que era uma pessoa altamente suspeita, já que foi o pioneiro da ecografia obstétrica e, talvez por isso, ninguém lhe deu na época grande crédito quanto a esta convicção.
Embora não tenha vivido para assistir a isso, hoje, uma nova teoria chamada origens fetais – também conhecida como «teoria desenvolvimentista da origem da saúde e da doença» ou «origens fetais da doença do adulto» – parece dar-lhe razão e traça um caminho até ao útero para problemas como a obesidade, o cancro ou mesmo a delinquência. Milhares de cientistas conceituados no mundo inteiro estão empenhados em fazer um tracking de tudo o que somos hoje até às origens. E as quarenta semanas antes do nascimento parecem ser pródigas em explicações, umas mais óbvias, outras insuspeitas.
Alimentação dentro da barriga
A má nutrição da mãe durante a gravidez, sobretudo no último trimestre, parece estar ligada a doenças cardiovasculares nos filhos quando adultos. Há de resto estudos bastante antigos que parecem estabelecer esta ligação. O pediatra Clement Smith fez estudos epidemiológicos sobre os fetos em gestação durante o chamado «inverno de fome holandês», quando os nazis ocuparam os Países Baixos, em 1944, e percebeu que o corpo das crianças parecia estar «programado» para poupar e armazenar gordura e açúcar, o que inevitavelmente as tornaria candidatas a ter tensão arterial alta e a sofrer de obesidade.
O perigo que vem do ar
Os efeitos tóxicos do chumbo nas crianças são conhecidos há mais de cem anos. Mas eis o que se descobriu mais recentemente: a exposição pré-natal ao chumbo – um tóxico cada vez mais frequente no meio ambiente, tanto em ambientes industrializados como em países pouco desenvolvidos – está associada a alterações neurológicas que podem levar, entre outros, a problemas como uma maior incidência da delinquência juvenil e a propensão para uma vida de crime. Pode parecer improvável, mas são vários os estudos epidemiológicos que o afirmam, entre eles o de um grupo multidisciplinar de investigadores da Universidade de Cincinnati, publicado na prestigiada revista PLOS Medicine.
A fumar desde pequenino
A exposição do feto ao fumo do tabaco não é «apenas» causadora de maior probabilidade de malformações congénitas – como informará qualquer livro sobre gravidez. Vários estudos, como o que o epidemiologista da Universidade de Brown Stephen L. Buka fez em 2006, concluem que esta exposição pré-natal à nicotina provoca alterações cerebrais que determinam que estas crianças venham a ter mais probabilidades de vir a ser fumadoras na idade adulta.
Anticancro começa na barriga
O consumo de certas substâncias durante a gravidez parece tornar o feto menos suscetível a problemas oncológicos na idade adulta. Os estudos que o defendem são, entre outros, de David Williams, do Instituto Linus Pauling, e, por enquanto, foram desenvolvidos tendo como objeto de estudo os ratos de laboratório. O grupo de investigadores liderado por Williams concluiu que suplementos de um fitoquímico encontrados em produtos hortícolas como os brócolos e as couves forneceram aos animais um nível bastante elevado de proteção contra a leucemia e o cancro de pulmão.
A stressar desde cedo
A maioria dos médicos e investigadores acredita que o stress moderado na grávida não afeta em nada o feto. Mas, claro, a conversa é outra quando se trata de stress elevado ou eventos traumáticos: estar grávida e nas proximidades das Torres Gémeas a 11 de setembro de 2011, por exemplo. Um estudo com 38 mulheres, publicado em 2005 no The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, mostra que as mães que sofreram de stress pós-traumático tinham níveis de cortisol – uma das hormonas envolvidas na resposta ao stress – mais baixos do que as outras. Da mesma forma, valores igualmente baixos foram encontrados nas crianças, quando as deram à luz e, mais tarde, já com um ano de idade. Acredita-se que esta alteração hormonal torna as crianças mais suscetíveis de virem a sofrer também desta patologia ou outras do foro psiquiátrico.
Chorar na própria língua
Nem só a saúde e a doença começam a definir-se na barriga da mãe. A aprendizagem do bebé também, incluindo a da própria língua. Um estudo coordenado por um grupo de investigadoras da Universidade de Würzburg, na Alemanha – e publicado na revista Current Biology –, constatou que o choro dos recém-nascidos em França e na Alemanha é diferente e segue aquela que é a «melodia» típica da língua do seu país natal: os franceses choram num tom crescente, enquanto os bebés alemães começam mais alto, para terminarem depois num tom mais baixo.
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