A sul-africana Charlize Theron e a inglesa Emily Blunt estão juntas em O Caçador e a Rainha de Gelo, um conto de fadas à Hollywood com um guarda-roupa impressionante que se estreia na quinta‑feira. Falámos com elas em Hamburgo, num exclusivo nacional. Sobre o filme, a maldade e até sobre (des)igualdade salarial entre atores e atrizes em Hollywood.
Quando se preparavam para interpretar estas rainhas cruéis chegaram a refletir sobre o vosso lado mais maldoso?
Charlize Theron (C.T.) [abraçada a Emily Blunt] – Tivemos de frequentar a escola das rainhas más [risos]. Aquilo foi uma dureza! Duas semanas de exercícios de maldade…
Emily Blunt [com expressão maléfica] – Digamos que tivemos de falar com muitos psicopatas e sociopatas…
Fica-se com a ideia de que se divertiram muito nestes papéis…
C.T. – Vá lá, sim… é muito divertido fazer de má. Dá muito prazer ter uma história que nos permite ter estes parâmetros. De alguma forma, é como se fosse possível poder ir para além das convenções. É muito fácil ser vilão neste tipo de filmes de fantasia que lidam com magia num mundo cheio de imaginação e de riqueza. Este é um filme que brinca um pouco com a questão da vilanagem. Noutro tipo de filme seria impossível deixarem-nos fazer isto.
E.B. – Foi tão divertido! Mas eu tenho mesmo um lado doce.
Mas estudaram muito as personagens?
C.T. – A Emily brincou há pouco com psicopatas e sociopatas mas no primeiro filme, Branca de Neve e o Caçador, a verdade é que estudei o comportamento de serial killers – estava obcecada com a ideia da Rainha Malvada e toda a sua iconografia. Pensei muito acerca do seu visual e de como seria o seu comportamento. Como atriz, tento sempre encontrar uma âncora. Enfim, quis explorar que tipo de personalidade ela teria. Seja como for, sempre fui uma pessoa fascinada por serial killers.
E.B. – Oh, meu Deus! A sério!?
C.T. – Sou muito fascinada pela ciência do comportamento e pela maneira como a nossa mente funciona. Sou daquelas pessoas que estão sempre a observar. Quando estou num restaurante nunca me canso de olhar para as pessoas. Sou fascinada pela observação. Sei que isso faz de mim uma pessoa estranha e assustadora! Foi nesse tipo de observação que comecei a compor a personagem. No primeiro filme, ela matava aquelas jovens para sugar a sua juventude e a beleza e isso fez-me lembrar os serial killers, sobretudo na maneira como ela se agigantava, tal como esses assassinos que julgam atuar como deuses. Houve quem me perguntasse se eu não preferia ser a Branca de Neve em vez da Rainha, mas nunca se deve ir por esse tipo de generalizações. A Kristen Stewart no filme original não foi nada uma Branca de Neve choramingas… Um ator, seja que personagem for, tenta sempre dar a volta à personagem que desempenha. Não me convence aquela ideia de que é impossível tornar interessante uma mãe. Por outro lado, nunca interpretei uma personagem que não tivesse algo de mim… Confesso que não saberia fazê-lo. As vezes, olho para ela e até aprecio toda aquela sua camada de loucura, mas noutras vezes desprezo o tipo de mulher que ela é no seu núcleo. Criei-a a pensar nas circunstâncias do seu crescimento.
Com o que se está a passar na Europa, com este clima de terror, acham que os contos de fadas podem ser uma forma de colocar as crianças a pensar no mal?
E.B. – Sim, os contos de fadas foram sempre usados como contos de moral. Se virmos bem, são todos muito negros e profundos, com mensagens morais bem complexas. Mas tenho uma filha de 2 anos e só mais tarde é que lhe vou mostrar este filme… Por outro lado, não sou nada daquelas pessoas que acham que as crianças tem de ser muito embaladas e demasiado protegidas. Cada vez mais, elas são intuitivas e com uma imensa perceção do mundo que as rodeia. Creio que as crianças não gostam de mentiras.
Nesta produção bateu-se para que os salários das atrizes não fossem inferiores aos dos atores. A Patrícia Arquette, depois do seu discurso no ano passado nos Óscares sobre igualdade salarial, terá sido prejudicada em termos de oferta de trabalho…
C.T. – Esse é um assunto complicado porque cada atriz tem uma situação diferente. Eu posso protestar porque estou neste momento numa situação muito afortunada. Posso ficar uma data de tempo sem trabalhar. Por exemplo, é uma bênção estar neste franchise,
sobretudo porque no primeiro filme fui morta! Mas não quis fazer um discurso, quis reportar uma injustiça. Quis ser justa. Não é isso que o feminismo apregoa? A Jennifer Lawrence também já tinha falado em público sobre isso e tocou-me. Caramba, como é que não me posso insurgir quando sei que aqui a Emily estava a receber menos de metade do que o seu colega masculino [Chris Hemsworth]. Para nós, mulheres, isso é uma coisa que nos magoa seriamente. Não devia ser assim.
E.B. – É indigno!
C.T. – Acontece sempre em Hollywood: se uma atriz não aceita essa situação, escolhem outra.
E.B. – Sempre…
C.T. – E é ai que está o problema. O problema não sou eu. Sou bem paga e os meus filhos não vão para a cama com fome. O pior são as atrizes que não têm escolha e que têm de trabalhar. Tenho mesmo muita sorte em estar nesta posição. Nada disto vai ter efeitos negativos sobre a minha carreira. Por outro lado, do fundo do coração, acredito que quando abrimos a boca as coisas podem mudar.
A Emily também partilha da mesma crença?
E.B. – Sim, claro.
C.T. – Só o facto de as pessoas estarem a falar do que eu disse já quer dizer alguma coisa, não é verdade? O que foi bom do ataque informático à Sony foi ter permitido gerar toda esta discussão. Sejam abençoados os coreanos! Eu disse isto? A minha publicista nem me está a ouvir! A Jennifer Lawrence escreveu uma carta tão eloquente, sobretudo lembrando que as mulheres cresceram a pensar que caso falem se colocam numa situação difícil. Está nas nossas mãos mudar isto! Temos de começar a falar deste tema para que cada vez que os produtores de Hollywood fizerem essa discriminação machista se sintam envergonhados.
Charlize, em que fase está o seu projeto de prevenção do VIH nas crianças africanas?
C.T. – O Charlize Theron Africa Outreach Projet vai estar presente na convenção sobre sida neste ano em Durban. Será muito bom.
EMILY BLUNT A RAINHA QUE VEM DO FRIO
Se Emily Blunt, rapariga de família importante em Inglaterra (familiares das patentes militares mais elevadas e no Ministério Publico) está a triunfar em Hollywood, não é por cunhas. Papéis em O Diabo Veste Prada, em que roubava cenas a Anne Hathaway, e A Jovem Victoria deram-lhe com justiça passagem direta para a lista A das atrizes protagonistas. O seu rosto é conhecido de grandes produções como a As Viagens de Gulliver, Os Agentes do Destino e, mais recentemente, Sicario – Infiltrado. Neste encontro em Hamburgo mostrou grande cumplicidade com Charlize Theron e não teve problemas em exibir orgulhosamente a sua barriga de grávida. Será a segunda criança que tem com o galã John Krasinsky. Depois da experiência maternal, a Disney conta com ela para o renascimento de Mary Poppins. Sim, a menina também canta como mostrou em 2014 em Os Caminhos da Floresta, versão para cinema do musical da Broadway.
CHARLIZE THERON UMA FORÇA DA NATUREZA AFRICANA
É quase consensual: esta senhora é das poucas que conseguem ser respeitada pelo seu estilo visual e pela qualidade do trabalho de atriz. Vencedora de um Óscar em Monstro (2003), a sul‑africana que conquistou Hollywood, depois de uma fulgurante carreira como top model internacional, é também uma mulher de causas. Um furacão que diz o que pensa e tem orgulho em ser africana. A atriz de O Advogado do Diabo passa grandes períodos na Cidade do Cabo onde dá a cara pela sua fundação, a Charlize Theron Africa Outreach Projet, que visa sensibilizar os jovens africanos sobre o perigo da sida. Neste encontro na Alemanha a sua entourage pediu à imprensa para não haver perguntas fora do âmbito do filme, coisa que certamente nem ela soube…