Há quarenta anos, quando fundou os Police, Sting não sabia ainda as voltas que a sua vida ia levar, entre a música, o cinema, as lutas ambientais e o crescimento espiritual que garante que conseguiu. Em Londres, há cerca de um mês, uma entrevista de vinte minutos transformada em meia hora serviu para rever (quase) tudo isso. Ao seu ritmo.
«Depois de fazer o check-in na receção e dizer ao empregado que vem para uma entrevista, ele explicar-lhe-á como chegar à Regent Suite. Nessa altura deverá enviar-me um SMS a dizer que está a caminho. A suite está no quinto piso da nova ala do hotel e demorará cinco minutos, por isso calcule a hora a que deve chegar.»
O e-mail, recebido no dia anterior, tinha mais instruções, pormenores, restrições. A responsável pelas relações com a imprensa da Universal Music queria ter a certeza que iria correr tudo bem naquela operação, planeada com semanas de antecedência. É sempre assim, com estrelas da música internacional, agendas preenchidas entre Londres, Paris, Paris, Nova Iorque ou Malibu. Naquele dia, no Hotel Langham, perto de Oxford Circus, em Londres, eram 12 entrevistas, com 12 jornalistas europeus, cada um a viajar e a regressar ao seu país horas depois. Não podia haver atrasos. Muito menos deixar o artista à espera mais do que o previsto.
E não houve atrasos. Pelo contrário. A Regent Suite é suficientemente ampla para que Sting se possa mexer e dar uns passos entre cada entrevista e para as câmaras de televisão não estarem demasiado em cima dele, mas suficientemente pequena para, a partir da pequena sala de espera ao lado, e se a porta estiver entreaberta, se conseguirem ouvir as perguntas do jornalista holandês que entrou antes. E as respostas do músico.
Quatro meses depois de concluir 57th & 9th, o novo álbum, Sting passou semanas a falar com jornalistas do mundo inteiro para promover o disco que gravou de forma intensa em quatro meses, num estúdio de Nova Iorque (na esquina com essa morada, em Hell’s Kitchen, daí o nome). Era normal que repetisse algumas coisas. Era normal que dissesse outras que achamos que já lemos algures. Ainda assim, parecem sempre fazer sentido. Vindo da boca dele, voz rouca, pausada, as palavras não chegam a soar a lugar-comum. Mesmo que diga que «não há canções originais, fazem todas parte de uma grande canção universal». Ou que «as músicas estão todas ligadas entre si». Ou «de cada vez que canto Roxanne, encontro sempre alguma coisa nova e diferente».
Mas como evitar isso, então? Quando chegou a vez da Notícias Magazine, como escapar das respostas parecidas a perguntas semelhantes, quando só temos vinte minutos? Pior: são três e meia da tarde, Sting começou a dar entrevistas às dez da manhã, lá fora está um delightful dia de sol e calor na capital britânica, e esta era a última conversa com um jornalista – que começava a ficar ansioso com a pressão. Mas ele tranquilizou. O homem tem esse dom. «Vai ter direito ao melhor», atirou com um sorriso que não parecia irónico. Para depois acrescentar, já a rir: «Ou então ao pior.»
A entrevista, correu, de facto, da melhor forma possível. Em torno do novo disco, das opções que tomou, das motivações que teve. Mas com direito a política internacional, família, canções antigas, morte, exercício físico… e a extraordinária vantagem que é poder fazer o que lhe dá na real gana (ele sabe-o e sente-se muito grato por isso).
Haveria mais perguntas a fazer, claro, mas Sting consegue transmitir a ideia – e a tranquilidade – de que o que é mais importante, relevante e prioritário é abordado. Sem pressas. «Aproxime o seu gravador, por favor. Eu canto alto, mas falo baixo e devagar.»
De certa forma, é um pouco assim, com tudo o que lhe tem acontecido na carreira. E na vida. Tudo a seu tempo. Dos anos dos Police, com os cinco álbuns de rajada entre 1978 e 1983, entre Outlandos d’Amour e Syncchronicity, até à carreira a solo estreada discograficamente com The Dream of the Blue Turtles em 1985. Dos filmes em que entrou às causas que abraçou – a ecologia e a defesa da floresta tropical é, possivelmente, a mais conhecida. Dos géneros musicais que foi misturando à medida da curiosidade, vontade condições que foi criando, às casas que foi comprando pelo mundo fora, graças a uma fortuna estimada em 180 milhões de libras. Do casamento de oito anos com a atriz Frances Tomelty ao casamento de 24 com a atriz e produtora Trudie Styler. Dos seis filhos (entre Joe, com 39 anos e Giacomo, com 20) às constantes presenças em programas da televisão norte-americana como o Tonight Show ou o Late Night. Tudo o que acontece na vida deste homem parece descrever um arco narrativo perfeito.
Se tivesse havido mais tempo de entrevista, seria bom tentar saber se continua a fazer sexo tântrico ou não (teriam de ser preliminares de perguntas muito bem geridos para conduzir a conversa nesse sentido). Ou se lhe passa pela cabeça voltar a reunir-se com Andy Summers e Stewart Copeland para nova digressão dos Police (como a que os trouxe ao Estádio Nacional em 2007). Ou qual o próximo filme em que vai entrar – ele garante que não é ator e que o faz só para se divertir (até a uma personagem sua já deu voz nos Simpsons).
Nos últimos anos, Sting fez discos que o próprio considera «esotéricos», entre canções do século XVI com alaúdes, temas com orquestras ou músicas sobre o inverno. «São projetos estranhos, sim. Impulsionados pela minha curiosidade.» Esteve um ano em digressão pelos Estados Unidos e Canadá com Peter Gabriel (cantavam músicas um do ouro nos concertos Rock Paper Scissor). E, talvez o mais ambicioso dos projetos, escreveu e encenou o musical The Last Ship, baseado no álbum com o mesmo nome (o penúltimo, de 2013), sobre a construção naval na cidade de Wallsend, no norte de Inglaterra, onde nasceu. A peça não correu bem em termos de bilheteira e esteve apenas três meses na Broadway. Mas ele não parece desanimado com isso. «A vida vai-se desenrolando e temos de ter orgulho no que vamos fazendo. Mesmo que não corra bem.»
The Last Ship, o álbum, também não correu particularmente bem em vendas. Nem Symphonicities, de 2010, com a Royal Philarmonic Concert Orchestra. Idem para If on a Winter’s Night (2009). É preciso recuar a 1999 e ao álbum Brand New Day (onde está o mega hit Desert Rose, com a voz do cantor argelino Cheb Mami), para encontrar o ultimo grande sucesso comercial de Sting. Na altura, Gordon Summers – o nome de batismo, pelo qual ninguém o chama, nem a mulher – tinha 48 anos e a internet ainda não era uma ameaça para o modelo de negócio da indústria discográfica. O disco venceu dois Grammys e foi multiplatina em vários mercados.
Sting não sabe bem o que esperar desde 57th & 9th, o décimo segundo álbum de originais. Nem está muito preocupado. Quase de certeza que fará digressões pelo mundo fora (na última passou por Lisboa, no ano passado), já que essa é a principal forma hoje em dia de rentabilizar a música criada, mas não sabe ainda se virá a Portugal.
Está contente com o resultado final, com as críticas que tem recebido e com a reaproximação que conseguiu fazer ao pop e ao rock. São dez canções curtas, que ficam no ouvido, umas mais intimistas, como Heading South on The Great North Road, sobre a viagem metafórica que fez para o mundo, outras mais provocadoras, como One Fine Day, sobre as alterações climáticas – «É uma ironia. Uma forma de brincar com um tema sério. Rezo para que todos os cientistas e investigadores que trabalham sobre alterações climáticas estejam errados. Não seria perfeito, se todos os políticos e céticos sobre esse tema estivessem certos?»
Em Inshallah, procura chamar a atenção para a crise mundial de refugiados resultante, em grande parte, dos conflitos no médio oriente e da consequente fuga a que foram obrigadas milhões de pessoas na região. Nem de propósito, ontem à noite Sting subiu ao palco do teatro Bataclan, em Paris, para o concerto de reabertura da sala de espetáculos, um ano depois do massacre que ali vitimou 99 pessoas às mãos de extremistas islâmicos do Daesh, durante um concerto dos Eagles of Death Metal. «Ao reabrir o Bataclan temos duas tarefas importantes a conciliar», escreveu no seu site oficial. «Em primeiro lugar lembrar e honrar aqueles que perderam a vida no ataque de há um ano; em segundo celebrar a vida e a música que esta sala histórica representa.»
Acabaram por ser vinte e oito minutos de conversa. No final, o músico de 1,82m de altura, 64 anos com ar de quem não tem 50, despediu-se com um sorriso, pegou na mochila de couro e no Financial Times com a páginas das palavras cruzadas dobrada (não as dispensa, diariamente, tal como as do The Guardian, garante) e saiu rapidamente. Ao contrário das indicações que todos os jornalistas tinham à chegada, à partida ninguém disse a Sting como devia fazer. Juntamente com o agente, acabámos por nos perder entre o elevador errado, o corredor errado e a porta errada. Nos minutos até encontrarmos a saída, o homem foi poupado a mais perguntas. Doze entrevistas num dia já era suficiente. Tudo a sem tempo…
Leia as duas partes da entrevista a Sting:
«Penso na minha morte. Quero estar preparado para isso»