O que tem de ser feito para aproveitar o melhor desta alegria que chegou às ilhas.
Agosto. Chega um avião ao aeroporto de Ponta Delgada, Açores. Mais um avião, num aeroporto, numa ilha. A vida segue. Normalmente. Mas há sempre algo de extraordinário num aeroporto, numa ilha. Por aqui chegam praticamente todos os que chegam. Daqui partem praticamente todos os que partem. Por isso, um aeroporto de uma ilha é lugar de distância e aproximação, de tristeza e de alegria. De saudades e de matá‑las num olhar, num beijo, numa lágrima partilhada. É um lugar de ambivalências, mas é também um sítio definidor do que é essa ilha.
Chega um avião ao aeroporto de Ponta Delgada, nos Açores, em agosto, e vem carregado de turistas. Coisa recente, esta, a de ver tantos turistas a chegar aos Açores. Famílias, casais, crianças, muitas. Trazem olhos e alegria de quem vem de férias. E a esperança certa de que vão ver todas as belezas que lhes apregoaram em artigos nos meios de comunicação social, em prémios vários, por todo o lado. Estas ilhas estiveram sempre aqui – há pelo menos 500 anos. Parece que a bruma, o mistério e a lonjura, que dantes assustavam, agora se tornaram exatamente no que os atrai. Os mesmos que se queixavam se havia um dia inteiro de tempo incerto e chuva miudinha, é vê-los agora a sorrir por debaixo das suas capas de plástico em trilhos recém‑abertos no imenso verde.
Os Açores mudaram, os aviões mudaram, os aeroportos mudaram. Chegaram os turistas – com aumentos de dois dígitos, nos últimos anos. As ruas encheram‑se. Os restaurantes também. Criaram‑se hotéis. E, através dos olhos dos forasteiros, os açorianos, que dantes olhavam para tudo o que tinham com fastio, e até viviam de costas para o mar, passaram a sentir orgulho no que têm. E começam até a querer mostrá-lo.
Por aqui ninguém se queixa do excesso de turismo – nem de autenticidade perdida, debate atual, em Lisboa ou no Porto. Talvez porque aqui se saiba bem na pele o que a ausência daquele representa: mais pobreza, menos o que fazer. Regresso a tempos difíceis de trabalhos mal pagos, de região mais pobre da Europa. E numa época de transição – quando o leite já não é a mina de ouro que era – pode ser que, bem aproveitado, o turismo compense mesmo tudo o que já se foi.
Os Açores tiveram a sorte de ver chegar o turismo num tempo em que já temos consciência dos erros que se fizeram noutros lugares. Podemos corrigi‑los. Combater o turismo de massa, aquele que esfalfa os lugares e desapossa os locais do que é seu. Que podia pôr em risco lugares míticos, belos e distantes, que são o que faz dos Açores o que são. Com cuidado, com uma política inteligente e muita imaginação local, os Açores podem aproveitar o melhor do turismo. Pôr turistas a percorrer montanhas sem as corromper, a banhar‑se em mares límpidos sem os sujar, e, até, a fazer paddle surf em lagoas sem que isso as macule. E a sorrir quando uma nuvem de chuva vem arrefecer um pouco a humidade.
Os Açores são este lugar onde uma praia nunca está cheia. Onde ainda é possível estar numa lagoa, a vinte minutos de uma cidade, rodeada de criptomérias e silêncio. Onde quem quiser terá um nascer do Sol entre as nuvens e um pôr do Sol em frente ao mar, sozinho ou bem acompanhado. Onde as vacas são economia, paisagem e antropologia. É preciso conservar tudo isso para que os aviões continuem a chegar. E a trazer a alegria aos aeroportos que dantes eram apenas tristeza.
[Publicado originalmente na edição de 21 de agosto de 2016]