Sabe o estimado leitor ou a bela leitora quem é Linda Keith? Eu também ignorava, mas uma pesquisa rápida no Google permitiu-me ficar a saber que foi uma manequim da década de 1960 cuja beleza (um pouco exótica) inspirou vários músicos daquela época, de Keith Richards a Jimmy Hendrix. Para o caso, seja como for, isto não interessa quase nada. Esta crónica tão-pouco devia estar aqui, eu tinha escrito outra, mas ei-la agora diante dos vossos olhos apenas para que também nesta página se respirem os perfumes vaporosos da moda e do estilo.
Quando o editor da Notícias Magazine me ligou para explicar que este número da revista seria totalmente dedicado às coisas da vaidade, pus-me logo a recordar o tempo belo e doce em que andei de jornalista pelos desfiles de moda. Não haviam de escassear, pensei, episódios cronicáveis que decorressem do meu trânsito blasé pelas semanas de moda do Porto, Paris, Nova Iorque ou São Paulo. E imediatamente me lembrei do meu caso com Laetitia Casta, a curvilínea manequim francesa que serviu de modelo ao próprio busto da Republique (e que, no cinema, foi, entre outras personagens, a provocante e voluptuosa Falbala, namorada de Obélix, o gaulês, no filme Astérix & Obélix contra César).
O meu caso com a bela Laetitia Casta, para meu substancial pesar, conta-se em relativamente poucas palavras. Estávamos, eu e Laetitia, em Portimão, ela para desfilar beleza e trapos numa edição do Portugal Fashion, eu para reportar o que lá sucedesse e as tendências da estação. Organizou-se, como era costume, uma conferência de imprensa para ver as musas internacionais contratadas (Laetitia, a alemã Diana Gartner e a brasileira Talytha Pugliese) e ouvi-las produzir as banalidades do costume. Tudo decorreu com a normalidade possível num evento de moda (no qual quase nada se parece com o quotidiano ordinário das pessoas comuns). Também graças ao Google, constato agora que referi os «olhos verdes» de Laetitia, «os lábios grossos, o cabelo louro-escuro e as medidas [88-60-88]». «Com os olhares concentrados na escultural francesa – acrescentei —, o mais complicado será fazer que a assistência repare nas coleções de outono-inverno.»
Finda a conferência de imprensa, dirigi-me o mais depressa que pude para o quarto a fim de escrever a notícia que agora resgatei ao mofo e às bolas de naftalina da internet, e entrei no elevador já de telemóvel na orelha para acertar os detalhes do texto a haver. Alguém, todavia, entrou também e se acomodou num canto do ascensor — era a própria Laetitia, ali fechada comigo no elevador e estando eu ainda ocupado com o telefonema para a redação (maldito profissionalismo). Não tive ocasião, sequer, de falar ou de sorrir antes de que ela saísse e se desvanecesse num rasto de perfume (o que é muitíssimo lamentável).
Não há nesta história, como é óbvio, qualquer filosofia ou proveito, e tê-la-ia esquecido se não fosse um daqueles casos anedóticos que têm algum préstimo nas conversas e camaradagens com indivíduos mais versados na arte coloquial. Também me ocorreu, a dada altura, que este seria um bonito episódio para contar aos meus netos quando e se, um dia, os tiver. Agora, porém, parece-me bastante claro que os meus netos não acharão graça nenhuma à história. Laetitia Casta será para eles apenas o nome de uma pessoa velha — como Linda Keith para mim.
[Publicado originalmente na edição de 17 de abril de 2016]