Um algoritmo é um grande passo para a humanidade, se lhe dermos o devido desconto: não é humano. Se não dermos pode ser um pequeno passo tropeçado. Um algoritmo é uma sequência determinada de instruções não ambíguas permitindo resolver um problema. Por exemplo, o Facebook queria dar a cada um dos seus amigos uma resenha pessoal dos grandes momentos deles durante o ano que passou. Construiu um algoritmo para isso. Eu quis fazer o mesmo com os meus amigos. Como eles são sete e só três tiveram um grande 2014 (tenho uma percentagem anormal de sortudos entre os meus amigos, reparo agora), fiz uma carta simpática para os três, ilustrada com fotos dos seus bons momentos. Para uma amiga, que na melhor foto ainda estava com o seu, agora, ex, mas já com o seu atual amor, tive o cuidado de enquadrar a foto, apagando o passado e mostrando o olhar dela, malandra e virada para o futuro (hoje, presente). Selei e enviei pelos CTT.
Recebi quatro emocionados agradecimentos – além dos meus três amigos, o atual amor da minha amiga também se comoveu. A razão do meu sucesso? Perceber, por exemplo, que o antigo amor da minha amiga, que encetou uma carreira de alcoólico público, não gostaria de receber aquela foto. O Facebook não pôde ter tantos cuidados, pois tem demasiados amigos. Centenas de milhões. Coisa para algoritmo. Que, não sendo humano, só aceita ordens sem ambiguidade. Se é para escolher grandes momentos é «grandes», ponto final. Se foi grande a ponto de me agradecer uma carta que não lhe mandei, ou grande a ponto de encostar mais os cotovelos aos bares do que os lábios a um certo pescoço, não interessa – grandes!
O Facebook, com o seu euforismo americano, quis oferecer aos seus milhões de membros os momentos grandes de cada um, e fez uma aplicação que se resumia nesta frase: «Foi um ano espetacular! Obrigado por fazer parte dele.» Ano espetacular e momentos espetaculares de cada um. Estava-se mesmo a ver que o familiar de um degolado do Estado Islâmico ainda ia receber a foto de uma cabeça espetacularmente cortada… Andou lá perto.
O algoritmo pôs-se a contar «grandes» com a sensibilidade de um estampido de bisontes. Vou voltar a explicar o que é uma escolha mecânica e uma escolha humana: eu não me permitiria usar a imagem dos bisontes se não soubesse que o tal que agora anda pelos bares já deixou de ler revistas. Adiante, sem dar atenção a estas minudências, o Facebook catou os «grandes» momentos com este critério: muitos likes. Tipo, saiu-me o Euromilhões (eu), like, like, like (os meus amigos)…, escorreguei e parti o fémur (eu), like, like, like (os meus amigos)… Resumindo, o americano Eric Meyer recebeu como culminar do seu ano espetacular a foto da filha Rebecca, de 7 anos, morta em junho passado. Foi ponto alto? Certamente foi, mas não daqueles de celebrar com confetis e balões coloridos, como apareceu na página do Facebook de Eric Meyer. Este, que é da área, web designer, analisou o azar no seu blogue com paciência cibernética: «Infeliz crueldade do algoritmo», escreveu.
Pois é, o problema é pôr os algoritmos na solução de problemas sem dar conta do problema que ele, algoritmo, é. Por ser simplório. Ide à Wikipédia ver «algoritmo». Há lá um desenho sobre um fluxograma, um algoritmo imperativo. Perante um candeeiro que não acende, ele dá duas soluções. Uma, ver se a lâmpada está enroscada. Se não está, enroscar, se sim e a lâmpada continuar a não acender, passar à solução dois, ver se a lâmpada está fundida. Se sim, trocar de lâmpada, se não está fundida, passar à solução proposta pelo algoritmo: comprar novo candeeiro. Simplório, o algoritmo! Simplório, inumano ou ao serviço das lojas de candeeiros. Porque eu, com a minha complexidade humana, conheço pelo menos mais duas razões para a lâmpada não funcionar: não paguei a fatura da eletricidade ou os patrões da EDP, os chineses, decidiram fazer-nos blackout.
[Publicado na edição de 4 de janeiro de 2015]