Ao longo de décadas, ensinou muitas mulheres a trabalhar a lã, nas serras de Montemuro, Marão, Freita e Arga. Ainda hoje continua ligada a essas artesãs que queriam ser mais do que pastoras. Helena Cardoso levou-lhes a inovação e fez delas criadoras de moda com respeito pela tradição.
Eram mulheres perdidas nas serras. Perdidas na lavoura e na pastorícia. Queriam ter um posto de trabalho e um ofício ligado à lã, mas sem perder o apego à terra. E conseguiram. E de tal maneira conseguiram que, um dia, tiveram como cliente a rainha Sofia de Espanha. Não sabemos os seus nomes, apenas conhecemos quem lhes deu a oportunidade de lavrar o terreno da moda. Foi Helena Cardoso, designer, formadora, artista plástica e amante das tradições.
É preciso recuar uns quarenta anos e seguir até à serra de Montemuro, onde Helena ensinou as primeiras pastoras, na aldeia de Relva. Mulheres que, reunidas num projeto criado por uma organização sueca, começaram a produzir e a vender camisolas, luvas e barretes. Depois, passaram para o burel. «A ideia era criar postos de trabalho», recorda. «Elas queriam que uma pessoa ligada à moda as ajudasse a trabalhar a lã.»
Hoje com 75 anos, perde o fio à meada quando tenta lembrar-se de quantas artesãs formou: «Já peças, foram milhares.» É que, depois de Montemuro, outras populações serranas LEONEL DE CASTRO/GLOBAL IMAGENS quiseram aprender com ela. Foi assim no Marão, Trás-os-Montes (tecelagem de linho e lã), na Arga, Alto Minho (bordados em lã), e na Freita, perto de Arouca e São Pedro do Sul (casacos e outros agasalhos de burel, além de sapatos). Também na povoação de Bucos, Cabeceiras de Basto, mulheres que já sabiam todo o processo de transformar a lã passaram a dedicar-se à tecelagem e ao tricô, produzindo echarpes, camisolas e gorros. A todas, Helena transmitiu originalidade. E as artesãs responderam da melhor forma, «dentro da cultura delas, dos saberes e das tradições de cada aldeia».
Um campo lavrado, um espigueiro ou um telhado podem ser o tema de um casaco ou de um vestido. Algumas chegaram a confecionar duas coleções por ano. Com outras, Helena transformou em atraentes agasalhos as tradicionais capuchas, peças em burel que os árabes introduziram na Península no século XI.
Ao longo de décadas, cresceram as ligações de afeto e nasceram as de negócio. Helena passou a encomendar peças a estas artesãs, para vender numa loja de Guimarães. Mas ainda mantém a vertente de formadora: de momento, o grupo de Bucos está a tecer uma peça para o Seminário Menor de Braga, uma instalação de 150 metros de linho e lã, que será inaugurada em dezembro.
Natural do Porto, onde vive, Helena Cardoso queria ter enveredado pela pintura. Mas não fez o curso porque, na sua geração, «era muito feio para as meninas». Então, optou por estudar Design de Moda, já os quatro filhos estavam crescidos.
O que dei a estas mulheres? Sentem-se valorizadas. E não deixam morrer os saberes tradicionais portugueses.» E continuam a trabalhar a terra e a criar os seus animais. Tudo isto ao longo de quatro décadas de trabalho junto de Helena. Mas ela é discreta. E modesta. Talvez por isso quase se esqueça de abrir a caixa das insígnias da Ordem de Mérito, que fazem dela comendador, com que Jorge Sampaio a condecorou. É então que se lembra de que também a UNESCO lhe atribuiu um prémio, por ter redesenhado a tradição com os traços dos tempos modernos.